|
maio 17, 2016
Manifestantes ocupam salões com obras de Portinari na sede da Funarte por Lucas Vettorazzo, Folha de S. Paulo
Manifestantes ocupam salões com obras de Portinari na sede da Funarte
Matéria de Lucas Vettorazzo originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 16 de maio de 2016.
O salão mais importante do Palácio Gustavo Capanema, prédio histórico no centro do Rio que abriga diversos painéis de Cândido Portinari, foi ocupado no início da tarde desta segunda-feira (16) por manifestantes contrários à extinção do Ministério da Cultura e por movimentos contrários ao governo do presidente interino Michel Temer (PMDB).
Manifestantes de movimentos como o Reage Artista e o Teatro pela Democracia, contrários ao processo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e seu consequente afastamento, ocupam o local "por tempo indeterminado".
A ação foi promovida por coletivos culturais e também por integrantes da Frente Brasil Popular e da CUT. O deputado federal Luiz Sérgio (PT-RJ) acompanhou o protesto, assim como o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) e o vereador Jefferson Moura (Rede). O cineasta Ruy Guerra e o documentarista Silvio Tendler também estiveram presentes ao ato.
Um grupo de 50 pessoas promete passar a noite no chamado Salão Portinari, no segundo andar. Uma outra parte ocupou à tarde o mezanino onde foram realizadas assembleias e discursos. Na parte externa do prédio, sob o pilotis, será organizada uma agenda cultural com apresentações.
Além da oposição específica em relação a Temer, a pauta gira em torno do destino da cultura após o fim da pasta, responsável pela lei Rouanet, editais de fomento a produções culturais e o programa Pontos de Cultura, que apoia coletivos regionais pelo país.
"Estamos ocupando o Capanema, que é um prédio histórico, emblemático para a cultura do Rio, para dizer que não queremos o presidente Temer. Nós não reconhecemos a sua presidência. Estamos aqui para dizer que o MinC [Ministério da Cultura] é nosso", disse a atriz e produtora cultural Isabel Gomide, integrante do movimento Reage Artista e do Teatro pela Democracia.
"Queremos construir um espaço novo, mas sem diálogo com esse governo ilegítimo. Ao se extinguir o Ministério da Cultura, todos os projetos que estavam em andamento estão ameaçados."
O Palácio Capanema abriga as sedes da Funarte (Fundação Nacional das Artes) e da representação no Rio do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O prédio, o primeiro de inspiração modernista do país, foi construído entre 1937 e 1945. Seu tombamento data de 1984.
Diante da entrada do prédio, a manifestação começou com o coro "Fora Temer". Às 11h, houve um abraço simbólico ao redor do edifício.
A atriz Débora Lamm, que integra o elenco do programa "Zorra Total" (Globo), esteve à tarde na ocupação. Ela disse estar representando principalmente a classe dos atores de teatro. Afirmou ainda que a extinção do ministério é um retrocesso e classificou o impeachment de Dilma como golpe.
"Estamos lutando pelos nossos direitos e dizendo não ao retrocesso. A partir do momento que você não dá atenção à cultura, acredito que não podemos nem considerar isso aqui um país. A cultura é muito importante para a formação do ser humano. Diminuir [o espaço das artes na sociedade] é algo inaceitável. A arte é muito importante, inclusive para esclarecer a população num momento como o que estamos vivendo", disse.
Luiz Sérgio afirmou que estava no local em solidariedade ao protesto e disse que parlamentares do PT apoiarão movimentos sociais contrários ao governo Temer em manifestações por todo o país.
"Extinguir o Ministério da Cultura é algo impensável, é colocar a cultura num degrau inferior. Do ponto de vista da economia, é muito pouco. Em todos os governos com viés autoritário, que não chegam ao poder através de voto popular, um dos primeiros atos é atacar a cultura. Porque a cultura sempre esteve na vanguarda da luta pela democracia."
PATRIMÔNIO
O Palácio Capanema abriga obras de arte de valor inestimável. Parte do piso do salão ocupado pelos manifestantes, no segundo andar do edifício, é coberto por um tapete criado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, um dos projetistas do prédio. O tapete, que fica em frente à obra "Guerra e Paz", de Portinari, foi isolado com uma fita para evitar a circulação de pessoas sobre ele.
Os próprios manifestantes espalharam cartazes pedindo que ninguém fumasse ou comesse no local.
Neste momento, a fachada, os pilotis e quatro dos 16 andares passam por uma reforma iniciada há quase dois anos. O jardim de Burle Marx, no segundo andar, está interditado, mas o chamado Salão Portinari, onde estão os manifestantes, e a biblioteca continuam abertos ao público.
Procurado, o Iphan informou que "até o momento não houve nenhuma ameaça ao bem tombado" e afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os próprios ocupantes estão tomando cuidado com o patrimônio.
A Folha entrou em contato com a assessoria do extinto Ministério da Cultura, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.