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março 1, 2016
Parque Lage e Villa-Lobos mudam para sobreviver à crise por Nani Rubin, O Globo
Parque Lage e Villa-Lobos mudam para sobreviver à crise
Matéria de Nani Rubin originalmente publicada no jornal O Globo em 26 de fevereiro de 2016.
Secretaria de Cultura quer rescindir contrato com Oca Lage e ceder teatro a empresa
RIO — Uma instituição e um equipamento cultural caros à cidade, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage e o Teatro Villa-Lobos vão passar por mudanças em breve. Na próxima segunda-feira, uma reunião do conselho de administração da Oca Lage, a organização social (OS) que administra a escola e o parque situados no Jardim Botânico, Zona Sul da cidade, e ainda a Casa França-Brasil, no Centro, deve selar o fim de uma parceria iniciada há dois anos. E, até o fim do mês, será lançado um edital de cessão de espaço público para oferecer o Villa-Lobos a uma empresa, por um período ainda a ser determinado, em troca da realização da custosa obra do prédio. As iniciativas estão sendo conduzidas por Eva Doris Rosental, secretária de estado de Cultura, como um modo de driblar a falta de recursos financeiros.
À frente da Cultura desde janeiro de 2015, Eva Doris viu-se nos últimos meses diante de vários impasses provocados pela crise que atinge o estado. Só na sua pasta houve um contingenciamento (isto é, um bloqueio) de 45% do orçamento, levando-a a tecer parcerias com empresas para, por exemplo, implementar programas na Baixada Fluminense e garantir uma programação cultural do estado nas Olimpíadas. No caso da EAV Parque Lage, ela acredita que a saída é a rescisão amigável. Como uma das 16 representantes do conselho de administração da Oca Lage (do qual fazem parte representantes do governo, professores da escola e figuras proeminentes da sociedade civil), vem conversando sobre isso.
— Desde outubro, quando a situação começou a se agravar, com a suspensão dos repasses do governo, o conselho passou a discutir seriamente a possibilidade de uma rescisão do contrato de forma amigável. Isso deve ser decidido na reunião do dia 29. Acho uma saída bastante razoável, porque o estado possui condições de manter o Parque Lage — diz ela. — O Parque Lage tem uma capacidade de alavancagem muito grande. O mundo quer fazer festas lá. Então isso vai continuar, sendo OS ou sendo estado. O mais importante é que continue sendo uma escola pública, com cursos gratuitos, e isso eu vou garantir.
Procurado pelo GLOBO, o presidente da Oca Lage (e do conselho de administração), Paulo Vieira, disse que só falaria após a reunião do dia 29. A organização social passou a administrar o Parque Lage e a França-Brasil em março de 2014. No mês passado, com o atraso no repasse da verba do governo, demitiu 70 funcionários administrativos. As OS são uma solução encontrada para gerenciar de forma mais ágil e moderna equipamentos públicos. No Rio, o Museu de Arte do Rio e as bibliotecas-parque são geridas por OS, modelo que, no Brasil, foi implantado primeiro em São Paulo, com êxito — lá, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) e a Pinacoteca do Estado, por exemplo, são administradas desta forma.
PRODUTORES OPINAM SOBRE CONCESSÃO DO TEATRO
Em relação ao Teatro Villa-Lobos, paralisado para obras desde 2011, Eva Doris parte de uma premissa: melhor ter um teatro funcionando do que fechado. Para isso, deve publicar até o fim de março uma licitação de concessão de espaço público. A ideia é que uma empresa se responsabilize pela obra, cujo custo, segundo ela, “é da ordem de R$ 50 milhões”, em troca do direito de administrar o teatro e sua programação, por um período de 20 a 30 anos, que possibilite o retorno do investimento. O alto valor se explica pela dimensão do projeto, encomendado na gestão de Adriana Rattes, sua antecessora. Além de reformar o prédio principal, com a construção de uma plateia superior que aumentará a capacidade dos 400 lugares atuais para 700, ele prevê a construção de um anexo, com um teatro menor, salas de ensaio do tamanho do palco principal, e restaurante. O modelo, nunca implementado no Rio, está sendo elaborado pela secretaria de Desenvolvimento Econômico, e inclui naming rights — a concessão à empresa do direito de usar seu nome na marca (algo já feito em empreendimentos privados, como no Teatro Oi Casa Grande, por exemplo). Segundo Eva Doris, o termo de cessão será bastante claro — “As atividades terão que ser eminentemente artísticas e culturais”, frisa ela.
— Para mim, o mais importante é que a cidade e o estado ganhem esse teatro de volta. Se vai ser gerido pela secretaria de Cultura ou por uma empresa, é o de menos. O importante é que a gente participe do conselho desse teatro — diz Eva Doris, garantindo não temer reações da classe artística. — Se você fica parado recebe crítica; se faz alguma coisa, recebe crítica. O papel do gestor público é isso. Não me tira o sono. O que me tira o sono é ver teatro fechado.
O produtor Eduardo Barata, presidente da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), teme como será a ocupação.
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— É um teatro que o estado e a cidade terão de volta. Mas, com esses valores, só uma parte da sociedade e da produção teatral terá acesso a ele — avalia Barata. — Para ter retorno do investimento, a empresa terá que cobrar bastante de quem for assistir aos espetáculos. Isso me dá medo, há uma tendência à privatização do setor público. Mas se o governo do estado está falido, fechando escolas, fechando postos de saúde, vai se preocupar em abrir teatros?
Aniela Jordan, sócia da Aventura Entretenimentos, aplaude a iniciativa mas receia que o alto custo da obra afaste possíveis interessados.
— A ideia é muito boa, torço para que dê certo, no mundo de hoje a parceria público-privada é necessária. Mas não sei quanto tempos seria preciso para o retorno do investimento. Além disso, a manutenção de um espaço desses é caríssima.
Governar sem dinheiro é buscar parcerias. Este parece ser o lema de Eva Doris. A Casa de Cultura Laura Alvim, por exemplo, está tendo seus dois teatros reformados pela Omega, a um custo de R$ 4,3 milhões. Em troca, a empresa suíça, responsável pela cronometragem das Olimpíadas, usará o espaço em agosto. Em setembro, Fernanda Montenegro estreará ali um espetáculo inédito, com textos de Nelson Rodrigues.
Nesta semana, a secretaria fechou um acordo com a Claro e a Embratel, no valor de R$ 1,5 milhão, que garantirá a realização da programação de cultura do estado nas Olimpíadas.
— Vamos trazer 45 grupos de cultura popular de todo o estado para se apresentar aqui, na Casa Rio, que o governo instalará na nova central técnica do Teatro Municipal, na região portuária. Vai ter jongo, boi pintadinho. Porque turista não precisa só ver samba, não é?
A EQUAÇÃO DAS BIBLIOTECAS
Em março, ela anuncia as 60 obras finalistas do Prêmio Rio de Literatura, que recebeu 607 inscrições de todo o país. A parceria com a Fundação Cesgranrio vai assegurar o pagamento dos prêmios, no valor de R$ 220 mil. Na semana passada, foi divulgado um edital com verbas da Faperj, da Secretaria de Ciência e Tecnologia, que vai contemplar 20 bolsistas nas áreas de criação e pesquisa artística, num total de R$ 816 mil. Também acabou de fechar um portentoso convênio com a Light, no valor de R$ 20 milhões, para o programa Territórios Culturais RJ, que contemplará, durante dois anos, 270 iniciativas dirigidas a jovens da Baixada Fluminense.
— A Baixada é a nossa prioridade. Várias favelas do Rio recebem dinheiro de ONGs da Noruega, da Holanda, da Dinamarca. Mas nenhum desses países põe dinheiro em Japeri, em Mesquita, em Belford Roxo. A juventude dessas cidades é muito penalizada, não está no radar de ninguém — diz ela.
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A secretária alinhava um ambicioso plano de expansão das bibliotecas-parque para o estado do Rio, em que as prefeituras interessadas (já há nove, entre elas as de Paraty, São Gonçalo e Miracema) entram com o terreno e empresas privadas com a construção, em troca de uma contrapartida.
Em relação ao funcionamento reduzido das quatro bibliotecas-parque implantadas, devido à suspensão do repasse às OS pelo governo do estado, Eva Doris diz não ter uma posição neste momento. Os prefeitos Eduardo Paes, do Rio, e Rodrigo Neves, de Niterói, foram rápidos na oferta de ajuda, e hoje elas se mantêm graças a essas verbas — o custo anual conjunto das unidades de Manguinhos, Rocinha, Presidente Vargas e Niterói é de R$ 20 milhões.
— A gente não pode exigir de forma alguma que os prefeitos aumentem os valores, eles estão sendo extremamente parceiros. Quando me perguntam quando volta a abrir aos domingos, digo que isso depende de a gente (o governo do estado) voltar a ter algum tipo de participação nesta equação.