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fevereiro 25, 2016
Niura Bellavinha exibe o filme ‘NháNhá’ em São Paulo por Camila Molina, Estado de S. Paulo
Niura Bellavinha exibe o filme ‘NháNhá’
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 24 de fevereiro de 2016.
Obra já mostrada no Oi Futuro, no Rio, e na Biwako Biennale, no Japão, é destaque da exposição da artista na Galeria Millan
O filme NháNhá, de Niura Bellavinha, é um “poema trágico”, como diz a artista. No média-metragem, de 2014, faz-se uma poderosa imagem, a de uma pequena casa que, no topo de um morro de terra, é aos poucos tomada por uma poeira vermelha. A sequência de planos fixos e longos registra não apenas o que poderia ser visto como uma ação pictórica, já que Niura Bellavinha é pintora e o vermelho, que vai se incrustando naquela morada solitária e abandonada, refere-se a uma cor que é marcante em sua produção artística. A obra tem intensa poesia, mas, ainda, um lado político-social – NháNhá, surpreendentemente, fala também do impacto da mineração em Minas Gerais.
“Queria criar uma narrativa sobre a memória e sobre o entorno, mas, principalmente, sobre a matéria de constituição da terra”, conta a artista, que já exibiu o filme no Oi Futuro, no Rio, e na Biwako Biennale, no Japão. Agora, o média é apresentado pela primeira vez em São Paulo, tornando-se destaque da exposição iTa LíTica Barroca, que Niura Bellavinha inaugura nesta quinta-feira, 25, na Galeria Millan.
Anos atrás, em um momento de crise e reflexão sobre sua pintura, ela conta, a pintora, nascida em Belo Horizonte, saiu de viagem com a mãe e a tia pelo interior de Minas tendo Ferros como destino, cidade natal de sua avó, apelidada NháNhá. Munida apenas de um caderno e de livros do poeta mineiro Drummond, descreve, Niura avistou, durante uma parada na estrada, “uma montanha descascada com uma casa em cima”. Era a hora do pôr do sol e a poeira, “amarela, vermelha”, estava solta no ar. Sem dúvida, ela quis ver aquela construção de perto. “As mineradoras começaram a expulsar as pessoas da região e, quando abri a porta e as janelas da casa, apareceram as “contraformas” da cama, do crucifixo, do armário, de fotos ovais de família”. “Era a memória de quem viveu naquele lugar e foi expulso”, considera.
Ao chegar a Ferros, perto de Itabira, Niura Bellavinha escreveu o roteiro de seu média-metragem – só que NháNhá, realizado junto ao curador Alberto Saraiva, com fotografia de Alexandre Baxter, finalização de Lucas Sander e som de O Grivo, teve de ser filmado, na verdade, na região de Sabará pois a casa original encontrada na viagem já não mais existia, assim como a montanha, que era sua base, se dissolveu em “enxurrada” durante a mineração no local.
Hoje, uma das camadas do filme é tratar dos vestígios (e da violência) que a atividade mineradora deixa na paisagem e no cotidiano de Minas Gerais – entretanto, ao lembrarmos do desastre recente da mineradora Samarco em Mariana, sabemos que os estragos podem se espalhar e romper a fronteira mineira. Mas NháNhá é mais do que um trabalho sobre esse tema. A obra, tão forte, condensa uma série de questões da pesquisa e da história de Niura Bellavinha.
“A casa é como o corpo e imagine as paredes da casa como a pele”, explica a pintora sobre o conceito de seu média-metragem. Como ela conta, o grande escultor mineiro Amilcar de Castro (1920-2002), que muito a incentivou quando foi seu professor na Escola Guignard, em Belo Horizonte, costumava dizer que Niura pertencia a uma linha ligada aos neoconcretistas Lygia Clark (1920-1988) e Hélio Oiticica (1937-1980) – e, sendo assim, a artista já explorou a questão da pintura também usando o corpo como suporte por meio de performances (entre elas, é importante destacar Sopro, originalmente, de 1999 e na qual sopra pigmentos sobre participantes da ação).
Na mostra na Galeria Millan, a menção ao corpo também aparece (agora, diretamente) na série de fotografias Rodapé (como sugere o título, trabalho apresentado próximo ao chão), que representa campos de amarelo com marcas de pés. A imagem fotográfica – Niura Bellavinha trabalha o pictório por meio de diversas mídias – está ainda em duas outras peças, chamadas pela pintora de “articulados”. Nessas sequências (uma delas, Poeirão, em intenso vermelho), a pintora reconstrói a potência da narrativa de NháNhá.
E, como não poderia deixar de ter, iTa LíTica Barroca traz também belas pinturas sobre tela criadas com “terra vermelha” de Minas Gerais e pigmento azul feito a partir de pedra mineira. Nessas criações, Niura Bellavinha enaltece sua origem e faz referência, como diz, aos materiais utilizados pelo pintor Manoel da Costa Athaide (1762-1830), ou Mestre Athaide, autor das obras da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. Entretanto, as experimentações da artista não param por aqui – a pintora também exibe, curiosamente, esculturas em pedra-sabão (agora, numa menção ao escultor Aleijadinho) com intervenções em azul.