|
janeiro 31, 2016
Mostra de Marilá Dardot marca reabertura da Chácara Lane por Camila Molina, Estado de S. Paulo
Mostra de Marilá Dardot marca reabertura da Chácara Lane
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 25 de janeiro de 2016.
Artista inaugura a exposição Guerra do Tempo, trabalho inédito apresentado no imóvel do século 19
Quem poderia imaginar que “paz e amor” era, em 1909, um slogan do governo de Nilo Peçanha (1867-1924), primeiro e único presidente afrodescendente do Brasil? Em Demão, a mais nova obra de Marilá Dardot, este e mais outros 41 slogans, lemas e frases de protestos pesquisados na história política brasileira – desde “Independência ou morte”, passando por “O petróleo é nosso” e “50 anos em 5” até chegar ao recente “Não vai ter golpe” – são sentenças sobrepostas cronologicamente. Em sete faces de painéis instalados na Chácara Lane, as frases foram primeiramente escritas em preto pelos letristas sr. Landau e sr. Rodrigues e depois apagadas com tinta branca, representando, agora, camadas que alternam memória e esquecimento.
Para a artista, seu trabalho, inédito, não teria agora local tão propício quanto a Chácara Lane, na Rua da Consolação, onde ela inaugura neste sábado, 30, a exposição Guerra do Tempo. “É um lugar que já teve várias funções e a própria casa, que já foi toda reformada, é uma coisa em eterna construção”, comenta Marilá Dardot. Com a abertura da mostra, o imóvel, originalmente, do século 19 e que integra a rede Museu da Cidade de São Paulo, marca sua reabertura oficial como espaço de exposições de arte contemporânea da Prefeitura.
Até 17 de abril, os visitantes da Chácara Lane, cuja construção principal foi erguida por volta dos anos 1890 para ser residência do reverendo norte-americano George Whitehill Chamberlain, vão ter a oportunidade de ver mais de 30 criações feitas por Marilá Dardot desde seu vídeo Hic et nunc (que quer dizer aqui e agora, em latim), de 2002, até o inédito Demão. Depois, como parte da programação de 2016 para a instituição, já está confirmada para setembro a realização de uma ampla mostra individual da artista Carmela Gross no local – que coincidirá com a época da 32.ª Bienal de São Paulo.
“É o espaço da Prefeitura que pode receber com melhor qualificação obras de arte por suas condições de climatização e de conservação”, afirma Douglas de Freitas, curador de artes visuais do Museu da Cidade e da exposição Guerra do Tempo. “A Chácara Lane é hoje melhor do que a Oca e o Centro Cultural São Paulo”, considera.
O imóvel na Consolação foi adquirido pelo município em 1944 e tombado em 2004 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp). Em sua história, a chácara, que, antes de ser comprada em 1906 pelo médico Lauriston Job Lane, sediou a Escola Americana (a origem da Universidade Presbiteriana Mackenzie), já teve funções das mais ecléticas como ter sido compartilhada com o próprio Mackenzie; transformar-se em ambulatório da Cruz Vermelha até 1953; abrigar o Arquivo Municipal Washington Luís e o projeto Circulante da Biblioteca Mário de Andrade dos anos 1950 a 1990. Mais ainda, o local passou por uma grande reforma iniciada entre 2008 e 2012 com a finalidade de se tornar sede do Gabinete do Desenho para exibição de obras sobre papel da Coleção de Arte da Cidade. Entretanto, o projeto foi abandonado e, desde 2014, o espaço não cumpria função expositiva.
Como explica o curador e a diretora do Museu da Cidade, Beatriz Cavalcanti de Arruda, a Chácara Lane terá sua programação voltada para a arte contemporânea (como a Capela do Morumbi, que comemora 25 anos e apresentará obra de Sara Ramo, e o Beco do Pinto, que receberá intervenção de Débora Bolsoni) com a realização de individuais de criadores de meio de carreira e de nomes consagrados, assim como abrigará mostras com peças do acervo da Prefeitura.
Escrita. Por Marilá Dardot tratar de questões como “tempo, memória, esquecimento e apagamento” em suas obras, Douglas de Freitas diz que foi proposital a escolha da artista para a mostra de reabertura da Chácara Lane. A individual Guerra do Tempo (que remete a Guerra del Tiempo, de 2012) exibe obras já conhecidas da mineira, como os belos Marulho (2006), com oito trechos sobre o ato de esquecer tirados de livros de autores estrangeiros e nacionais – entre eles, Guimarães Rosa e Ana Cristina Cesar, e Paisagem Sobre Neblina (2007), que nos convida a imaginar paisagens a partir de frases costuradas em retângulos de feltro.
Mais ainda, a exposição apresenta trabalhos de Marilá Dardot até então inéditos em São Paulo. É o caso do vídeo Quanto é? O Que nos Separa (2015), inspirado nos cartazes de supermercados. A peça foi apresentada em grande projeção na Praça Mauá do Rio – nela, enquanto um letrista profissional escreve, como se fossem anúncios, as discrepâncias sociais de salários e dos valores pagos pelos brasileiros, por exemplo, em aluguel, um locutor também anuncia os dados como um vendedor das lojas do Saara, centro comercial carioca.
Museu da Cidade em estruturação
“Meu olhar é de estruturação”, diz a diretora do Museu da Cidade de São Paulo, Beatriz Cavalcanti de Arruda, que assumiu o cargo em 17 de setembro de 2015. “Estamos fazendo um plano museológico e há alguns marcos legais que o Museu da Cidade precisa ter, como um regimento, o que nunca teve, assim como políticas de acervo e de exposições precisam ser escritas”, define a museóloga, “emprestada” do Museu de Arte Contemporânea da USP para dirigir a rede de 15 espaços e casas históricas vinculada à Secretaria Municipal de Cultura.
A reabertura da Chácara Lane como espaço de exposições para a arte contemporânea é uma das ações da nova gestão dos equipamentos da Prefeitura, mas Beatriz de Arruda afirma que outra iniciativa importante é a criação de um “educativo próprio” para o Museu da Cidade (supervisionado por Julia Anversa). Mais ainda, a diretora defende a dissociação do Pavilhão das Culturas Brasileiras (que será reformado este ano) e da Oca da rede do Museu, oficialmente instituído em 1993 por decreto do prefeito Paulo Maluf. “Sou também mais a favor da articulação dos acervos da cidade do que da posse”, define. Outra meta é a abertura da Casa do Sertanista, que está fechada pelo Departamento do Patrimônio Histórico.