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janeiro 22, 2016
Sete dos dez maiores museus do Rio não têm alvará dos Bombeiros por Mariana Filgueiras, O Globo
Sete dos dez maiores museus do Rio não têm alvará dos Bombeiros
Matéria de Mariana Filgueiras originalmente publicada no jornal O Globo em 21 de janeiro de 2016.
Incêndio que destruiu Estação da Luz, em São Paulo, completa um mês
RIO - No dia 21 de dezembro do ano passado, um incêndio no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, matava um funcionário e destruía o prédio da instituição, a Estação da Luz. Um mês depois, a tragédia ainda não teve suas causas totalmente esclarecidas. Nem serviu de alerta. Nos últimos dias, O GLOBO percorreu os dez museus mais importantes do Rio para checar o sistema de segurança contra incêndio de cada um. Apenas três apresentaram o Certificado de Aprovação emitido (e exigido) pelo Corpo de Bombeiros, documento que prova que a entidade passou por todas as exigências da Defesa Civil e que tem sistema de segurança contra sinistro adequado.
O panorama
São eles: os recém-construídos Museu do Amanhã e Museu de Arte do Rio (MAR), que, sendo edifícios novos, nem poderiam ter sido inaugurados sem a licença; e o Museu de Arte Moderna, que já passou por um incêndio de dimensões trágicas em julho de 1978. Na ocasião, a instituição perdeu quase mil obras de arte, entre elas duas telas de Picasso, duas de Miró e centenas de trabalhos de artistas brasileiros — o trauma foi tamanho que só nos anos 1990 as instituições internacionais voltariam a confiar no país para abrigar exposições de grande porte.
Seguem funcionando sem certificado dos Bombeiros o Museu da República, o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu Histórico Nacional, o Museu Villa-Lobos, o Museu da Chácara do Céu, o Museu do Açude e o antigo Museu da Imagem e do Som. Leia nesta página e na página 3 as explicações de cada um.
Museu Histórico Nacional
Fundado em 1922, tem um acervo de cerca de 350 mil itens, incluindo a maior coleção numismática da América do Sul e carruagens do século XIX que pertenceram à família real. Instalado na Praça XV, numa construção datada de 1764 — o Forte de Santiago, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) —, o museu passou por grande reforma em 2006. Mas até hoje não tem o Certificado de Aprovação do Corpo de Bombeiros porque, segundo o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), que responde pela instituição, ainda está passando por um “processo de normatização junto a outros museus federais”. A diretoria técnica da instituição afirma que os extintores estão em dia e que há oito brigadistas de plantão.
Museu Nacional de Belas Artes
Às vésperas de completar 80 anos (em 2017), abriga a maior e mais importante coleção de arte brasileira do século XIX, com um acervo de 70 mil pinturas, desenhos, gravuras, esculturas, objetos, documentos e livros. Estão lá, por exemplo, a monumental tela “Batalha do Avaí” (1872-1877), de Pedro Américo, medindo 66 metros quadrados; e a pintura “Primeira Missa no Brasil” (1860), de Vitor Meireles. O edifício é outro bem. Construído em 1908, o prédio de arquitetura eclética localizado na Cinelândia é tombado pelo Iphan desde 1973.
— Não temos o alvará ainda, mas seguimos todas as recomendações do Corpo de Bombeiros para a manutenção da segurança, não só contra incêndio — diz a diretora do museu, Mônica Xexéo. — Com o Ibram, preparamos um projeto de Gerenciamento de Riscos que acabou de ficar pronto. Todos os extintores estão em dia, as saídas de emergência liberadas, e a área da reserva técnica tem tudo sob controle da diretoria técnica — explica ela, que percorreu o museu com O GLOBO mostrando extintores e saídas. — Mesmo assim, estamos desde 2010 pedindo celeridade ao processo da documentação junto ao Corpo de Bombeiros. Como o prédio é tombado, porém, há uma série de exigências burocráticas que ainda não foram concluídas.
Museu da Imagem e do Som
Enquanto não transfere seu acervo para a nova sede, que está sendo construída em Copacabana, o Museu da Imagem e do Som (MIS) sediado na Lapa segue armazenando a memória da música brasileira e servindo a pesquisadores de todo o país. São 30 coleções, com cerca de 305 mil documentos, entre fotografias, negativos em vidro, estereoscópicas, além de uma discoteca de quase 60 mil discos, incluindo cerca de 18 mil discos da Rádio Nacional, com músicas, novelas e scripts de programas que marcaram época. Fazem parte desse acervo a coleção do radialista Almirante; dos músicos Abel Ferreira e Jacob do Bandolim; dos pesquisadores de música Sérgio Cabral e Hermínio Bello de Carvalho; e de intérpretes como Nara Leão, Elizeth Cardoso, Zezé Gonzaga e Paulo Tapajós. Questionada sobre a falta do certificado dos Bombeiros apesar do imenso valor histórico da coleção, a Secretaria estadual de Cultura, responsável pela instituição, admite que a documentação está pendente e promete que dará entrada no processo ainda em 2016.
Museu da República
Sede da Presidência ao longo de 64 anos, tendo servido a 18 chefes de governo, o Palácio do Catete, hoje Museu da República, já recebeu papas e reis e testemunhou movimentações políticas e sociais intensas — além de ter sido cenário do suicídio de Getúlio Vargas, foi lá que, primeira vez, uma música popular foi tocada em salões aristocráticos (“Corta Jaca”, de Chiquinha Gonzaga) . Apesar disso, apenas o cinema, que ocupa uma sala anexa do prédio, apresenta o Certificado de Aprovação contra incêndio.
— Não temos alvará, mas estamos, com o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), participando de reuniões para atualizar o sistema de segurança. Em julho do ano passado, a orientação do Corpo de Bombeiros foi que contratássemos empresas, recomendadas por eles, para que fizessem projetos atualizados. Mas, como já estávamos com o orçamento em andamento, só poderemos incluir o investimento neste ano. Enquanto isso, seguimos as recomendações de segurança. E contratamos um brigadista em dezembro. Até então, não tínhamos — diz a diretora, Magaly Cabral.
Museu do Açude
Cenário da novela “Roque Santeiro” (1985) — era a casa da Viúva Porcina, protagonista da trama —, o espaço, com seus 150 mil metros quadrados de Mata Atlântica, abriga um raro acervo de arte no Alto da Boa Vista. Formada sobretudo entre os anos 1920 e 60, a coleção possui mais de 22 mil itens, incluindo obras de Candido Portinari e Debret, além de uma renomada coleção de azulejaria portuguesa e de peças orientais.
Antiga propriedade privada, a casa foi reformada nos anos 1920 pelo empresário franco-brasileiro Raymundo Ottoni de Castro Maya e posteriormente aberta à visita pública. Hoje é um museu federal. Segundo o Ibram, responsável pela instituição, o museu passa por um “processo de normatização” junto a outros equipamentos federais. A direção da casa, porém, alega que já solicitou vistoria ao Corpo de Bombeiros para atualizar seu sistema de segurança. E diz que o pedido ainda não foi atendido. O Corpo de Bombeiros, por sua vez, argumenta que não localizou a solicitação.
Museu da Chácara do Céu
Herdada pelo empresário Raymundo Ottoni de Castro Maya em 1936, a casa de três pavimentos, construída em 1876, em Santa Teresa, também foi posteriormente transformada em um museu federal. Abriga coleções de arte de diversos períodos e de diferentes origens, livros raros, mobiliário e artes decorativas, com obras de Guignard, Volpi, Iberê Camargo, além da maior coleção pública de Portinari.
Em 2006, sofreu um roubo histórico, enquanto um bloco de carnaval passava pela região. E perdeu obras de Monet, Matisse, Picasso e Salvador Dalí. Nenhuma delas foi recuperada até hoje. Depois disso, o museu reviu seu sistema de segurança, mas o de incêndios continua pendente. O Ibram, que também responde pela instituição federal, não explica o porquê. A Chácara do Céu é mais um dos que estão passando pelo tal “processo de normatização” junto a outros equipamentos federais.
Museu Villa-Lobos
Fundado em 1960, um ano após a morte de Heitor Villa-Lobos, o museu federal preserva partituras, documentos e objetos que pertenceram ao compositor carioca. A instituição, localizada em Botafogo, também edita livros e discos, realiza festivais e promove concursos e concertos.
— O Museu Villa-Lobos aguarda a liberação do alvará definitivo do Corpo de Bombeiros, dependendo apenas do cumprimento de alguns trâmites burocráticos — defende a diretora do lugar, Solange Costa. — O Corpo de Bombeiros já esteve aqui, analisou todos os nossos extintores, que estão absolutamente em dia, e já começamos uma obra nas partes elétrica e hidráulica do museu a fim de modernizar os sistema de água e luz. Alguns dos nossos funcionários participaram de cursos de proteção contra incêndios, o que faz parte do Programa de Gestão de Riscos, uma das ações do Ibram (o instituto também é responsável pela instituição), no campo da preservação e segurança em museus.
Em SP, falta projeto de restauração
Atingido por um incêndio há exatamente um mês, o Museu da Língua Portuguesa, na região central de São Paulo, passa por obras para desobstrução das lajes e avaliação dos danos ao prédio, onde fica também a Estação da Luz. As plataformas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) foram totalmente liberadas no dia 8 e seguem funcionando normalmente.
Segundo a secretaria estadual de Cultura, as obras, que começaram imediatamente após a ação dos bombeiros, seguem com a manutenção da segurança do prédio e retirada de entulhos do local. “Com o avanço deste serviço, já estão ocorrendo também as avaliações técnicas que vão orientar a elaboração de projeto e as intervenções de restauro”, diz uma nota emitida pela assessoria da secretaria.
Só após o fim desse trabalho é que serão emitidos laudos para determinar como a estrutura foi afetada para estabelecer um projeto de restauração e planos de trabalho. Como o prédio é tombado, tudo isso deverá ser submetido para aprovação ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat). Em razão de todos esses processos, diz a secretaria, não existe um cronograma com previsão de início da restauração ou data de reabertura.
A secretaria de Segurança Pública informou, em nota, que a Polícia Civil segue com a investigação sobre as causas do acidente, a cargo do 2º Distrito Policial, no bairro do Bom Retiro: “As equipes policiais continuam coletando depoimentos e são aguardados os resultados dos laudos do Instituto de Criminalística e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)”.
Comitê acompanha obras
O incêndio começou no primeiro andar e se espalhou para o segundo e terceiro andares do edifício, cuja estrutura interna era composta principalmente de madeira, o que colaborou para a propagação das chamas. O prédio não estava com o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) nem com alvará de funcionamento da Prefeitura de São Paulo em dia. Na ocasião, o museu estava fechado para visitação. O bombeiro civil Ronaldo Pereira da Cruz, de 38 anos, morreu ao tentar conter o início das chamas.
O governador Geraldo Alckmin criou um comitê para acompanhar as obras e o trabalho de restauração do prédio. Em conjunto com a secretaria da Cultura e a organização social ID Brasil, Cultura, Educação e Esporte, que cuida da administração do museu, o comitê atua na negociação com a empresa seguradora e os trâmites burocráticos para o prosseguimento dos trabalhos. A pasta informou que o museu possui seguro contra incêndio da ordem de R$ 45 milhões.