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novembro 21, 2015
MAM perde curadores que revitalizaram sua programação por Audrey Furlaneto, O Globo
MAM perde curadores que revitalizaram sua programação
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no jornal O Globo em 18 de novembro de 2015.
Sem Luiz Camillo Osorio e Marta Mestre, museu luta contra problemas financeiros
RIO - Luiz Camillo Osorio e Marta Mestre foram responsáveis por anos áureos no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio. Os curadores reinseriram o museu no itinerário das grandes mostras internacionais, com nomes como Alberto Giacometti, Louise Bourgeois e Nan Goldin, e reforçaram o diálogo com a arte contemporânea brasileira. O educativo foi enfatizado, e o museu passou a dialogar com comunidades periféricas e populações de risco. Após seis anos de elogiada atuação, a dupla deixa em dezembro o museu, que passa por dificuldades. Não que a saída esteja ligada aos problemas de gestão. Camillo diz querer se dedicar à vida acadêmica — professor da PUC do Rio, ele conciliou, nos últimos seis anos, a curadoria do museu às aulas e orientações a mestrandos, até que a universidade o convidou a assumir a direção do departamento de Filosofia, cargo que ocupará a partir de 2016.
De qualquer forma, a saída da dupla coincide com momento crítico na instituição. Os R$ 6 milhões de orçamento ao ano não abarcam todas as atividades do museu, que, além da captação via Lei Rouanet, tem quatro mantenedores (Bradesco Seguros, Light, Petrobras e Techint). A reserva técnica está no limite e não há planejamento para aumentar a captação de recursos (leia mais ao lado, em entrevista com o presidente da instituição, Carlos Alberto Gouvêa Chateaubriand).
— Para um curador, trabalhar com um orçamento indefinido é uma adversidade — afirma Camillo. — Se conseguimos fazer entre 20 e 25 exposições ao ano, é porque produtoras apresentam os projetos (pautadas pela curadoria do MAM) e captam recursos para além dos previstos no plano anual de atividades.
O plano é enviado todos os anos ao Ministério da Cultura, para obter autorização para captar recursos via Rouanet. Em geral, o valor aprovado pelo órgão é menor do que o solicitado — e, por fim, o museu capta muito menos do que poderia. Em 2015, por exemplo, o MAM do Rio pediu ao MinC R$ 11,1 milhões, dos quais R$ 10,7 milhões foram aprovados. A instituição conseguiu captar um terço do valor. Só a manutenção abocanha R$ 1 milhão do montante.
— Suamos para conseguir manter a agenda de exposições, além de buscar a doação de obras e editais que nos permitam adquirir novas peças para o acervo do museu — completa Camillo.
De 2010 até agora, o curador e sua equipe conseguiram levar 400 novas obras para o acervo da instituição, cuja coleção hoje soma 6.500 trabalhos. Eles dividem espaço com outras 6.400 obras da coleção Gilberto Chateaubriand (uma das mais importantes do país, cedida em comodato ao museu) e 2.000 fotografias da coleção Joaquim Paiva. A reserva técnica atual já não comporta tantas obras (são cerca de 15 mil, ao todo).
— Reserva técnica sempre é uma questão para os museus. Como manter obras, como conservar tendo o espaço que se tem. O projeto do anexo (em área vizinha ao estacionamento do aeroporto Santos Dumont) existe, mas emperra no dinheiro para a construção — diz o curador.
Apesar das dificuldades financeiras, Camillo orgulha-se de alguns feitos no museu. A exposição permanente está entre elas. O curador reviu a leitura cronológica com que era apresentada e a transformou numa narrativa com eixos temáticos. Desde 2013, o terceiro andar tem obras de todas as coleções do museu expostas de forma a pensar a passagem do moderno para o contemporâneo a partir de temas como a identidade, a cidade, o corpo e a tradição construtiva.
Marta lembra a criação de um programa público para adensar os debates das exposições, com cursos e seminários que debateram desde o público da arte até sua relação com a psicanálise.
— Pensamos que o museu deveria ter sempre atividades, ser um polo do pensamento da arte — diz a curadora assistente.
Uma de suas frustrações, ela continua, reside no fato de, pelo acúmulo de tarefas, não conseguir mergulhar profundamente no acervo do museu.
— É um acervo riquíssimo. Eu o visitei muitas vezes com as museólogas e sempre descobria algo novo. O museu tem uma coleção magnífica, que merece ter imersões constantes que atualizem o público — completa Marta.
Camillo lamenta não ter conseguido resolver o site (precário) da instituição. Sem tradução para o inglês, a página do museu está obsoleta, segundo ele, e carece de informações.
— Mas a grande ambição do museu deve ser fortalecer o grupo de mantenedores e conseguir uma dotação orçamentária fixa — avalia o curador.
O polêmico “puxadinho” — área vizinha ao museu, que é alugada para eventos e que desvirtua o projeto arquitetônico de Affonso Reidy — também nunca foi do agrado do curador. Segundo ele, há um projeto para que se faça uma estrutura removível, erguida para eventos e desfeita em seguida.
— Esse projeto tem que avançar, porque é preciso manter a identidade arquitetônica — defende. O presidente do museu, no entanto, diz que não há verba para tal projeto.
A missão curatorial, no entanto, foi cumprida. Na gestão de Camillo, o museu chegou a receber o público de um ano (em média 300 mil pessoas) em apenas dois meses, na mostra de Ron Mueck.
— Era surpreendente caminhar pela exposição ouvindo os comentários do público, os mais diversos possíveis. Sinto que o museu se sintonizou com as pessoas, seja em mostras ditas populares, como a de Mueck, seja em mostras mais difíceis, como a da coleção Sylvio Perlstein. Minha saída será boa para a instituição e para o público. Seis anos é um bom tempo.