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setembro 17, 2015
MAM faz de seu Panorama uma prova de que a arte é atemporal por Antonio Gonçalves Filho, Estado de S. Paulo
MAM faz de seu Panorama uma prova de que a arte é atemporal
Matéria de Antonio Gonçalves Filho originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 16 de setembro de 2015.
Mostra no Museu de Arte Moderna, no Parque do Ibirapuera, abre no dia 3 de outubro
Há muito tempo, a crítica Aracy Amaral planejava uma exposição em que a arte ancestral dialogasse com a contemporânea, para evidenciar não só as relações formais como existenciais entre artistas modernos e artesãos da chamada Terra Brasilis, território pré-cabralino em que eles enfrentam dificuldades desde tempos imemoriais. Finalmente, essa oportunidade surgiu com a 34.ª edição do Panorama de Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna (MAM), exposição bienal que será aberta dia 3 de outubro com a participação de seis artistas contemporâneos. Eles foram convidados pela curadora Aracy Amaral e o curador adjunto Paulo Miyada para refletir sobre o legado cultural dos povos que habitaram o litoral brasileiro na pré-história, construindo sambaquis por toda a costa.
Hoje, os sambaquis mais importantes estão no litoral sul de Santa Catarina, mas eles estão distribuídos por toda a costa. Alguns têm mais de 30 metros de altura e foram erguidos na época em que os egípcios estavam construindo suas pirâmides. Outros são até mais antigos que as pirâmides. Por tudo isso, as peças pré-históricas encontradas nesses sambaquis – morros feitos de conchas que serviam tanto para edificar habitações como cemitérios – são excepcionalmente raras, ainda mais que, até recentemente, eles eram destruídos e serviam como material ordinário de construção.
Sobraram mais ou menos 300 peças escultóricas, das quais 60 estarão no Panorama do MAM, devidamente expostas em vitrines, desenhadas pelo arquiteto Álvaro Razuk e equipe. Elas servem como vetores da produção contemporânea – e a curadora aponta uma das peças que remete mesmo a uma forma conhecida do escultor romeno Brancusi. “Quero chamar a atenção para a arte como manifestação atemporal, mostrando que há uma harmonia entre os artistas pré-históricos e a natureza que talvez tenha se perdido”, justifica a curadora Aracy Amaral.
De fato, pelos trabalhos apresentados no Panorama, esse desequilíbrio parece evidente. Tanto que o fotógrafo Miguel Rio Branco, em sua instalação Wishful Thinking, ergue um sambaqui artificial com pedras, entulho, aparelhos de televisão (que exibem ruínas urbanas) e plantas que reforçam a transformação do território brasileiro num depósito de lixo.
Cildo Meireles, outro nome internacionalmente conhecido, concretiza na mostra um antigo projeto seu de 1969, que era o de colocar uma pedra no cume do Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil, com 2.994 metros. Para tanto, o artista patrocinou uma expedição de oito homens que saíram da aldeia ianomâmi de Maturacá, subiram o rio Cauaburi e seguiram por uma trilha que leva ao topo em quatro dias de caminhada. O registro da odisseia amazônica está em exibição, em vídeo. O Pico, agora, ficou alguns centímetros mais alto, sintonizado com o mito do “Brasil grande”.
Mas, como nos sambaquis originais, a função ambivalente das peças (o que é lar pode virar tumba) se reflete na instalação da mais jovem entre os selecionados, Erika Verzutti. Ela mostra seus “cemitérios” (peças que dão errado e são reunidas num sambaqui moderno) ao lado dos zoólitos (pedras em formas de animais) e antropólitos (artefatos com formas humanas) dos povos sambaquieiros. O videomaker Cao Guimarães preferiu traçar uma correspondência analógica com os novos sambaquis, formados por trabalhadores que separam moluscos das valvas no litoral catarinense. Os grupos construtores de sambaquis ancestrais alimentavam-se de moluscos, peixes e pequenos animais, que retratavam em pedras.
Finalmente, os dois outros artistas, o pintor goiano Pitágoras Lopes e a paraense Berna Reale, optaram por versões mais livres e sociológicas, o primeiro com painéis que lembram pinturas rupestres mescladas a elementos modernos. Berna Reale tem dois trabalhos na mostra, um vídeo sobre a violência urbana, em que pesquisa o plástico usado para ensacar corpos no IML (o mesmo usado para embalar ternos de políticos), e a representação da barbárie num ambiente real, uma boate com paredes perfuradas por balas.
“Em direção contrária aos contemporâneos, os sambaquieiros pareciam respeitosos com o ambiente e sumiram sem deixar resíduos de violência”, diz o curador Paulo Miyada. Tudo indica que eram pescadores-coletores de hábitos sedentários e mania de acumular artefatos em montes. Uma coisa é certa: eram grandes artistas.
34º PANORAMA DO MAM
Museu de Arte Moderna. Parque do Ibirapuera, portão 3, tel. 5085-1300. Abertura: 3/10. 3ª a dom., 10h/17h30. R$ 6. Até 18/12