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julho 13, 2015
Dramática e pessimista, Bienal de Veneza reflete horrores do século 20 por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Dramática e pessimista, Bienal de Veneza reflete horrores do século 20
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 12 de julho de 2015.
A 56ª edição da Bienal de Veneza, "All the World's Futures" (todos os futuros do mundo), segue a linha de outras mostras do mesmo formato, como a Bienal de São Paulo do ano passado e a Bienal de Istambul de 2013: todas usam a arte como um filtro para retratar crises sociais atuais.
Veneza, com curadoria do nigeriano Okwui Enwezor, é de certa forma mais dramática e pessimista, a começar pelas telas negras penduradas na entrada do pavilhão central, feitas pelo colombiano Oscar Murillo.
Elas imprimem um tom fúnebre logo no início da exposição, que será mantido na sala seguinte, com uma série de trabalhos do italiano Fabio Mauri (1926 - 2009): "Máquina para Fixar Aquarelas", um tratorzinho com uma escada onde no fim se vê uma tela com a palavra fim, além de uma imensa parede de malas, "O Muro Ocidental ou das Lamentações" (1993).
Em ambas, Mauri aponta para sociedades sem futuro.
Assim, muito mais pessimista que as outras bienais recentes, a de Enwezor constrói, com obras poéticas e nada literais, um lamento para um século 20 marcado por guerras e explorações, centrando sua leitura em uma, aqui sim literal, leitura marxista.
O grande diferencial desta bienal, que segue até 30 de novembro, é a construção da Arena, um rearranjo interno do pavilhão central, onde diariamente lá é lido um trecho de "O Capital", de Karl Marx, segundo
encenação de Isaac Julien.
Apontando que as questões centrais do conflito entre capital e trabalho analisadas pelo pensador alemão continuam atuais, o curador, contudo, coloca no mesmo plano outras manifestações, como baladas tristes e belas feitas por presos, trabalhadores e camponeses cantados pelos norte-americanos Jason Moran e Alicia Hall Moran.
É apenas mais uma das atividades da Arena, que possui uma intensa programação e que consegue trazer a Bienal um caráter vívido, como outras já vinham buscando, caso de São Paulo, no ano passado, mas que aqui, com uma programação permanente torna a mostra mais dinâmica.
FACÕES E NEONS
Outro ponto alto da mostra é o início do Arsenale, onde está a continuação da mostra de Enwezor. Ela tem início com uma nova instalação do argeliano Adel Abdessemed, "Water Lilies", uma paródia às ninfeias de Monet, só que aqui construídas com facões.
Elas estão circundadas por diversos neons do norte-americando Bruce Nauman, dos anos 1970 e 1980, nos quais o artista usa esse instrumento publicitário para falar da fixação por morte e violência.
Essa mistura entre artistas renomados, como Nauman, e outros mais jovens, segue no decorrer da exposição, sempre lembrando o caráter trágico do mundo atual.
Outro bom exemplo é a dupla projeção do cineasta britânico Steve McQueen, "Ashes". De um lado, vê-se uma lápide sendo construída em Granada, uma ilha do Caribe. Do outro, imagens de arquivo de um jovem em cima de um barco. Testemunhos de amigos do rapaz contam então que ele morreu após se envolver com drogas.
No catálogo Enwezor afirma que a arte não precisa, necessariamente, abordar questões sociais, mas uma Bienal de Veneza, neste momento do mundo, precisa. Sem dúvida, esta é uma Bienal necessária. Afinal, ela se encerra com as fotos de Walker Evans, tiradas durante os anos da depressão norte-americana, nos anos 1930, e parece que nada mudou muito desde então.
56ª BIENAL DE VENEZA
AVALIAÇÃO ótimo