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junho 25, 2015
Mostra em SP celebra centenário de Vilanova Artigas com viés intimista por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Mostra em SP celebra centenário de Vilanova Artigas com viés intimista
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha de S. Paulo em 23 de junho de 2015.
João Batista Vilanova Artigas, mestre da escola paulista de arquitetura, ficou famoso pela solidez despojada de suas construções em concreto armado e de vãos livres estonteantes, como o do prédio da FAU, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Mas, por mais abrutalhadas que fossem as suas obras, ele sempre manteve a elegância.
Na mostra no Itaú Cultural que celebra o centenário do arquiteto – ele nasceu em junho de 1915 e morreu aos 69, há 30 anos –, está sua indefectível coleção de gravatas-borboleta. É por um viés intimista, aliás, que Artigas e sua obra indissociável do horizonte paulistano são relembrados.
"Ele era uma figura extraordinária, de personalidade agradabilíssima e sedutora", lembra o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, outro mestre do brutalismo e discípulo de Artigas. "Essa era a sua graça."
Parecendo um Frank Sinatra nos trópicos, Artigas foi também uma das vozes mais aguerridas do Partido Comunista e provocou uma revolução no ensino da arquitetura. No caso da USP, sua ideia de dividir a área entre ciências do homem, da natureza e da construção se reflete nos contornos que deu à FAU, sua obra-prima como arquiteto.
Seus melhores projetos, aliás, datam da mesma época –a FAU, o edifício Louveira, a garagem de barcos do Clube Santa Paula e o estádio do Morumbi são todos desenhos de antes do golpe militar em 1964, que levou à cassação de Artigas como professor e a seu exílio no Uruguai durante quase um ano.
Nesse sentido, sua obra pode ser revista à luz da atuação política. "Ele criou uma continuidade espacial que não se usava", diz a historiadora Rosa Artigas, filha do arquiteto, explicando que ele aboliu divisões entre patrões e empregados nas casas que criou.
"Em nenhum país do mundo deveria existir isso de separar as castas", diz Rosa, que lança agora um livro sobre o pai, reunindo o maior número de obras num mesmo volume. "Ele achava isso um conceito rural, escravista, que não cabia numa casa de cidade."
Sua própria casa, a primeira que Artigas construiu para viver com a mulher antes de ter filhos, é um manifesto dessa atitude –um volume que se articula em torno da cozinha como eixo central, ligando o quarto no andar de cima à sala no térreo e ao porão.
É nítida ali a influência do americano Frank Lloyd Wright, famoso pela invenção de um modernismo orgânico, em que um único espaço do prédio acaba servindo de ponto de partida para toda a sua dinâmica de circulação.
APOLO E DIONÍSIO
Enquanto olhava para Lloyd Wright, Artigas também conhecia o modernismo europeu, liderado por Le Corbusier.
"Ele dizia que Lloyd Wright era dionisíaco e Le Corbusier era apolíneo", conta Álvaro Razuk, um dos organizadores da mostra de Artigas. A obra do arquiteto pode ser entendida como um meio-termo poderoso entre as duas escolas.
Num momento de industrialização incipiente e técnicas ainda precárias, Artigas se firmou como uma espécie de dândi comunista que tentou estabelecer a contrapelo uma nova modernidade em território tropical.