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maio 12, 2015
O jogo político: porque a hipocrisia do Mundo da Arte brilha na 56ª Bienal de Veneza por JJ Charlesworth, Artnet News
COMO ATIÇAR A BRASA Três textos levantam uma boa discussão sobre a mercantilização das coisas... Ser parte de um sistema...
Posted by Canal Contemporâneo on Terça, 12 de maio de 2015
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O jogo político: porque a hipocrisia do Mundo da Arte brilha na 56ª Bienal de Veneza
Artigo originalmente publicado em inglês com o título "Playing Politics: JJ Charlesworth on Why Art World Hypocrisy Stars at the 56th Venice Biennale" no Artnet News em 7 de maio de 2015.
Com a abertura da quinquagésima sexta edição da bienal mais antiga do mundo, o que chamamos agora de "o mundo da arte global" aterrissa em Veneza para uma semana frenética de aberturas, cafés da manhã de imprensa , brunches e festas VIPs. O objetivo do frenesi é comemorar os esforços artísticos dos artistas que representam os 89 pavilhões nacionais, os 44 eventos colaterais e aqueles presentes na grande mostra curada pelo diretor da bienal Okwui Enwezor, intitulada "Todos os futuros do mundo".
"Todos os futuros do mundo" é um ensaio enorme e tortuoso que supostamente abraça tudo sobre o estado político do mundo de hoje, um mundo devastado, que Enwezor postula como "tumulto violento, em pânico por causa dos fantasmas da crise econômica e de um pandemônio viral, políticas separatistas e uma catástrofe humanitária nos altos mares, desertos e fronteiras, enquanto imigrantes, refugiados e pessoas desesperadas procuram refúgio em terras aparentemente calmas e prósperas. Em toda parte uma nova crise, incertezas, insegurança que se aprofunda em todas as regiões do mundo parecem saltar à vista."
Material animador para uma festa, certo? Especialmente quando, enquanto os milhares de "jet-set global artworlders" estavam ocupados tentando não molhar os seus Louboutins saltando do vaporetto para o cais em uma extremidade do Mediterrâneo, no outro, milhares de migrantes líbios desesperados estavam ocupados tentando não se afogar até a morte nos porões trancados das embarcações de gângsters – como de fato eles tentaram desesperadamente para chegar à "aparentemente mais calma e mais próspera", mas também imigrante-fóbica Europa (ver Why Does Vik Muniz's Giant Paper Boat for the Venice Biennale Trivialize Europe's Migrant Crisis? [Por que o barco de papel gigante de Vik Muniz para a Bienal de Veneza banaliza a crise de migração na Europa?]).
Estrangeiros desesperados tentando entrar na terra da abundância: se a catástrofe humanitária em curso no sul do Mediterrâneo não fosse tão horrível, poderíamos ser tentados a usá-la como uma metáfora para a própria Bienal. Afinal, na era da globalização, um número cada vez maior de países deseja estar "in" na Bienal: em 1999, havia 61 países participantes; desta vez há 89, junto com 44 "eventos colaterais" de organizações não-nacionais. Na retórica pluralista e utópica da Bienal, é claro, isso só pode ser uma coisa positiva – uma maior inclusividade, uma maior diversidade de nações e culturas, contatos mais internacionais, intercâmbio e entendimento, um grande nações unidas da arte, e assim por diante. Quem poderia ser contra isso?
Ser parte de um sistema que é o problema, não a solução
Mas no meio da voz exagerada da globalização, vale a pena questionar o que a mais internacional e menos eurocêntrica Bienal de Veneza realmente representa. Apesar de toda a atenção que a exposição de Enwezor propõe para o cenário caótico da existência global contemporânea "lá fora", para todas as diversas questões sobre identidade nacional, história e política que preocupam os pavilhões e eventos colaterais, por toda a leitura sem fim do Capital, de Karl Marx, como a "peça central" da exposição de Enwezor, ninguém quer realmente questionar porque as crescentes elites de arte do mundo estão tão ansiosas para se reunir a cada dois anos nesta estranha, submergente, pequena e bonita ilha – de perguntar a qual função a Bienal serve. Poderia ser que nas festas e no trabalho de tecer redes de contatos, e em toda a conversa sobre política e capitalismo, o foco real para todos esses países e não-países é fazer parte da nova maquinaria da ordem mundial econômica global, da qual bienais de arte tornaram-se a maquiagem cultural?
É irônico que, como o sistema cultural da bienal internacional tem se desenvolvido, a temática de seus curadores globetrotting de alto nível passou a ser cada vez mais sobre a grande cena política global – geralmente com conotação vagamente histérica e tons apocalípticos. A última Bienal de Veneza de Massimiliano Gioni era um caso em questão: é quase como se Enwezor estivesse tentando ultrapassar Gioni na visão em escala planetária do mundo indo para o inferno em um carrinho de mão. (Tudo isso citando Walter Benjamin – basta!) Mas por baixo de toda a postura política, o que ela realmente representa é um caso de negação - de não querer admitir que você é parte de um sistema que é o problema, não a solução.
Alguns podem opor-se a esta interpretação, apontando para como as bienais como a de Veneza permitem que os politicamente sem voz sejam ouvidos; e para os artistas que antes marginais passam a ser acolhidos na cena internacional – artistas que muitas vezes têm mensagens políticas e lutam para ser ouvidos em seus próprios países: as bienais podem oferecer uma visão "crítica" do mundo e a arte está numa posição privilegiada para articulá-la. Infelizmente, isso não é mais do que um mito útil, projetado para que curadores e artistas se sintam melhor sobre ser parte de uma diáspora sem raízes de funcionários culturais cujo principal objetivo é perpetuar-se internacionalmente, enquanto distanciando-se tanto quanto possível de suas origens. Desde que se faça isso por fazer arte sobre política ou não, o sistema subjacente é o mesmo: cada vez mais internacional, "mobile", deslocado do público falando principalmente a si mesmo, em um sistema orientado desafortunadamente pela dinâmica do capital global.
Não traga a sua "real" política ferrada para o mundo polido da Bienal
Em um momento de descuido durante a conferência de imprensa de abertura na quarta-feira, o diretor da Biennale di Venezia Paolo Baratta mencionou os três países que optaram por retirar-se da Bienal na última hora (Costa Rica, Quênia e Nigéria), expressando o seu alívio de que estes países não tivessem trazido as suas "polêmicas" ao coração da bienal. No caso da Costa Rica, a mostra foi cancelada quando verificou-se que o curador estava cobrando dos artistas para participar, a maioria dos quais eram italianos, não costariquenhos. No caso do Quênia, descobriu-se que os mesmos curadores (italianos) que apresentaram o Pavilhão do Quênia em 2013 – incluindo uma maioria de artistas chineses – tinham usado o mesmo truque este ano (ver Venice Loses Two National Pavilions, as Kenya and Costa Rica Pull Out [Veneza perde dois pavilhões nacionais, com a retirada de Quênia e Costa Rica]).
Perguntado por um jornalista porque as "polêmicas" problemáticas destes países não deveriam ser acolhidas, se a Bienal estava tão interessada em "polêmicas", o chefe da Bienal apressadamente voltou atrás, explicando que por "polêmicas" ele quis se referir às controvérsias administrativas internas que levaram a esses cancelamentos. Agora, o caso do Quênia pode ser apenas mais um caso de baixo nível de negociação entre artistas oportunistas e ministros sem noção em países que ainda realmente não descobriram do que se trata uma Bienal, mas a inclusão bizarra de artistas chineses se destaca por causa do que ele revela sobre o funcionamento real da nova ordem econômica mundial – a China está negociando fortemente com o Quênia por suas commodities e a exploração de petróleo lá. Então, o que Baratta estava realmente dizendo é que ele não queria alguém trazendo sua "real" política, mal organizada, e ferrada para o mundo polido e sem problemas da Bienal.
Depois de declarar que haveria novos regulamentos para a forma como os governos nacionais iriam nomear curadores, Baratta, em seguida, partiu para uma explicação disparatada sobre como a bienal não estava interessada no mercado – "a obra de arte em seu início, não onde ela acaba" – enquanto meditava enigmaticamente sobre como a bienal estava investigando "o mistério da criação". Vamos manter a política (do mercado, da cultura) fora desta, certo?
Forragens para a nova classe global de empreendedores culturais
O que a Bienal não quer investigar é o mistério de sua própria criação. Por que deveria? Quem realmente precisa dessa vasta discussão sobre um estilo cada vez mais homogêneo e internacional de arte baseada em questões ligeiramente políticas? Não é o público visitante, com certeza: nós olharemos para qualquer coisa, mas nós não fazemos isso acontecer. Não, quem realmente precisa é a nova classe global de empreendedores culturais, para quem a arte se tornou uma verdadeira oportunidade internacional, enquanto as regiões econômicas emergentes buscam se afirmar no cenário mundial através do veículo da nova cultura de arte global. Mas, não importa quanto estes curadores e artistas julguem-se políticos, a arte em si muda absolutamente nada. Os chineses ainda precisam de petróleo, a União Europeia ainda fecha a porta sobre os imigrantes, os líbios ainda se afogam em navios que afundam à vista da costa da Itália – menos o sujeito a ser tratado e mais arte política preocupada com seus próprios interesses.
Traduzido por Patricia Canetti (aceitando sugestões para melhorar esta difícil tradução)