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setembro 23, 2014
Entrevista com Alexandre Allard por Paula Alzugaray, Istoé
"Há pessoas que mudam o mundo. Outras só comem e dormem"
Entrevista por Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, edição 2338, atualizada em 23 de setembro de 2014.
Com um empreendimento turístico e cultural de R$ 1,4 bilhão em São Paulo, empresário francês quer mostrar ao planeta que o Brasil é o país mais criativo de todos
Made by... Feito por Brasileiros, Cidade Matarazzo, São Paulo, SP - 09/09/2014 a 12/10/2014
Alexandre Allard pertence a uma geração de engenheiros financeiros nascidos com as novas tecnologias da informação. Antes de chegar ao Brasil e comprar o antigo Hospital Umberto Primo, para transformar o quarteirão de 27 mil m2 na região da avenida Paulista no “landmark turístico que falta à cidade de São Paulo”, Allard já havia inventado uma startup e promovido a revitalização do palácio Royal Monceau, em Paris. Mas o Cidade Matarazzo é seu mais ambicioso projeto, prevendo um hotel, uma torre comercial e um grande “centro dedicado à criatividade”. Antes de a reforma começar – o processo corre no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) há três anos, adaptando-se às exigências de quatro gestões sucessivas – , ele lança seu empreendimento de R$ 1,4 bilhão com uma megaexposição com mais de 100 artistas nacionais e internacionais, a fim de passar sua mensagem: o futuro do Brasil é a criatividade.
Nascido em Washington, criado na França e residente no Rio de Janeiro desde o início do ano, Allard diz ter tido a mesma educação de brasileiros que nunca visitaram uma exposição. “Quando eu tinha 20 anos e as pessoas falavam de arte, eu imaginava um mundo muito chato!” Nesta entrevista, às vésperas de inaugurar a “invasão artística” “Made by...feito por Brasileiros”, ele critica veementemente os colecionadores de arte e diz que seu centro de criatividade vai mudar a visão sobre a maneira de lidar com arte. “Será como um chip colocado em seu cérebro que diz: a criatividade é a única coisa importante no mundo. Seu filho vai levá-lo pela mão e dizer ‘mamy, eu quero ir para o Museu!’ .”
ISTOÉ - Quando vislumbrou a possibilidade de fazer negócios no Brasil?
ALEXANDRE ALLARD - Existe um contexto super-rico. Há grandes coisas acontecendo ao mesmo tempo: a Bienal, a ArtRio, novas aquisições em Inhotim... É uma fase de grande expansão da informação cultural e não sei se as pessoas que convivem com arte vislumbram como fazer negócio a partir de tudo isso. O projeto que estamos criando irá mudar a visão das pessoas sobre a maneira de lidar com arte e o que um desenvolvimento imobiliário significa.
ISTOÉ - Qual seu envolvimento com arte contemporânea? Você é colecionador?
ALEXANDRE ALLARD - Parei completamente. Não comprei uma só peça de arte no último ano e meio. O que tenho feito é financiar exposições. Financiei as de Basquiat e Miró em Versalhes, na França. Vamos supor que você tenha US$ 10 milhões para gastos anuais em arte. Há pessoas que vão comprar de 20 a 30 peças. Em dez anos, você terá 300 peças e um museu. Ou você pode decidir alocar seu dinheiro em exposições. Com US$ 1 milhão ou US$ 2 milhões, você faz uma boa exposição.
ISTOÉ - Seu empreendimento está sendo divulgado como um centro de compras, turismo e cultura. Mas como evitar o modelo dos shopping centers de luxo, em que a arte é um apêndice decorativo?
ALEXANDRE ALLARD - Um projeto dessa magnitude pode ter duas origens possíveis. A primeira é você ser uma pessoa do setor imobiliário, ou que trabalha com luxo, e que tem a necessidade de criar magia. Então, você usa a arte para fazer diferença. Há outro caminho se você tem um projeto de cultura e precisa encontrar sustentabilidade. Eu pertenço a esta categoria. Vi um potencial incrível aqui. São boas ideias, mas como fazê-las sustentáveis? Se eu tivesse parceria com o governo, adquiriria os fundos de isenção fiscal. Nesse caso, teria 200 milhões de brasileiros, cada um dando a cada ano R$ 1 para o meu projeto, porque ele custa exatamente isso: R$ 1 por ano, por brasileiro
ISTOÉ - Você tentou e não conseguiu patrocínio do Banco do Brasil para o para o centro cultural. Sem financiamento público, de onde virão os recursos?
ALEXANDRE ALLARD - É claro que teremos patrocinadores, mas será um negócio sustentável. Tampouco terá um modelo de negócio como o de Bernard Arnaud (presidente e diretor-executivo da LVMH) e de François Pinault (diretor-executivo da Kering, conglomerado que reúne grifes como Gucci e Yves St. Laurent): “Sou tão rico que vou criar isso e, quando eu morrer, a fundação vai dar dinheiro para isso. Mas esse será um problema dos meus filhos”. Fantástico legado, mas ninguém sabe o que eles vão fazer com o Palazzo Grassi (que hospeda a Fundação François Pinault, em Veneza) daqui a dez anos. E a Fundação Vuitton é um grande buraco, porque, se o grupo LVMH for fragmentado, não se sabe quem vai pagar aquilo. Como não posso assinar um cheque de US$ 1 milhão por ano, tenho que encontrar uma maneira de levantar o dinheiro para pagar o sonho. Esta é uma novíssima categoria de financiamento. A cultura tem sido, em muitos países, um investimento estratégico do governo. Mas as pessoas estão se dando conta de que este não é um modelo sustentável e deriva em uma abordagem caricatural da arte. Porque a arte governamental não é arte. Na França, eles mataram completamente toda uma geração de artistas.
ISTOÉ - Seu projeto também fala em “exportação” da criatividade brasileira. Como pensa em fazer isso?
ALEXANDRE ALLARD - Você sabe quem é o colaborador número 1 do balanço de pagamentos na França? O turismo. Nada pode alcançar o turismo. A melhor maneira de exportar é fazer com que os estrangeiros comprem de você onde você estiver. O povo brasileiro é o exemplo perfeito. As despesas dos brasileiros em luxo são divididas em 1% no Brasil e 99% fora. O Brasil tem potencial de exportar seus produtos, mas antes tem de vender seus produtos aqui, para as pessoas que vêm. Havia 12 milhões de turistas, há dois anos, em São Paulo, agora há 14 milhões. E não há nenhum lugar onde você pode comprar coisas incríveis brasileiras. Conheço pessoas talentosas no Brasil que não vendem, porque não têm uma chance. A ideia é: vamos criar um lugar sobre a cultura brasileira.
ISTOÉ - Que não venderá Gucci nem Chanel?
ALEXANDRE ALLARD - Não vou criar um mercado livre. Não vou vender só feijoada. Nós temos que ter equilíbrio, mas tudo que você vai encontrar aqui envolve a cultura brasileira. A primeira coisa é o edifício histórico, que é uma obra-prima da história desta cidade e, então, você terá o conteúdo que cobre todo um espectro cultural, da gastronomia à dança, passando por arquitetura, design e arte. Teremos um estúdio de música para promover a música brasileira, além de artesãos da Bahia, do Recife, de Mato Grosso, do Sul, selecionados por diferentes comitês. O centro de criatividade terá um conselho consultivo com pessoas que vêm da arte, da ciência, da moda, do design, etc. Não faço nenhuma diferença entre Leonardo da Vinci, Mozart, Jimi Hendrix, Einstein, Basquiat, Yves Saint Laurent ou o cara que inventou o iPhone, Steve Jobs. Todos eles pertencem à tribo criativa. Pertencem a um só grupo de pessoas que acreditam em suas ideias e as defendem até o último milímetro. Essas pessoas mudam o mundo. As outras só comem e dormem.
ISTOÉ - Como define a criatividade?
ALEXANDRE ALLARD - A criatividade vem com a liberdade e com a ausência de complexo sobre o seu passado. Você é criativo quando está bem colocado sobre seus pés, usando suas raízes e sua história e seu contexto. Uma criação sem essa noção está fadada ao fracasso – que é o caso de muitos designers no Brasil. O artista brasileiro que tenta ser Jackson Pollock não tem nenhuma chance. Mas um artista brasileiro que começa a falar sobre a história do Brasil e o designer que diz “eu sou totalmente brasileiro” estão fazendo economia criativa. O futuro da economia criativa reside nas raízes de seu próprio país. Primeiro você acredita no seu passado – e não acha que ele é cafona ou estúpido – e então você irá construir o futuro.
ISTOÉ - A exposição inaugural tem 30% de artistas estrangeiros. Por que é intitulada “Made by... Feito por Brasileiros”?
ALEXANDRE ALLARD - Dom Pedro é português, Matarazzo é italiano. Esses caras fizeram este País. Sinto muito, mas até sua bandeira foi feita por um francês. O Brasil tem valor graças às pessoas que vieram aqui para fazer o Brasil. O que faz os maiores centros de cultura do mundo? Sua capacidade de atrair talentos estrangeiros. O Vale do Silício, nos EUA, é o vale do Silício porque tem 25% de indianos, 9% de chineses, 6% de franceses. O futuro do Brasil é trazer os melhores caras de todo o mundo. Isso vai criar empregos para os brasileiros. Este projeto quer, em primeiro lugar, fazer os brasileiros entenderem que a história é um bem de valor inestimável, a partir da qual podem construir. Há oito bilhões de pessoas neste mundo que acreditam que o Brasil é uma cultura de valor inestimável.
ISTOÉ - Esse é o motivo pelo qual seu projeto imobiliário tem arquitetura de Jean Nouvel e direção artística de Philippe Starck e não de criadores brasileiros?
ALEXANDRE ALLARD - Não há criatividade se você não tem respeito por suas raízes. Uma vez que as pessoas tenham orgulho de suas raízes, vão entender que a melhor maneira de ser criativo é convidar as pessoas mais criativas do mundo. Ninguém aqui entende isso. O mais importante criativo que trabalhou no meu país, Leonardo da Vinci, há 500 anos, é italiano. Convidado por Francisco I. Depois, Picasso, Miró, Kandinsky, mas antes Modigliani. Nenhum desses caras tem a ver com a França. E eles fizeram a França. O Brasil será feito pelas pessoas que convidar
ISTOÉ - Por que prefere criatividade à arte?
ALEXANDRE ALLARD - A arte perdeu completamente seu valor e fico pensando se não é um novo “golden ville”.
ISTOÉ - Então você não concorda que a arte seja atrelada às leis de mercado?
ALEXANDRE ALLARD - No Brasil, além de dois ou três caras, que inclui Bernardo Paz (empresário siderúrgico, um dos maiores colecionadores do País e idealizador do Instituto Inhotim, em MG), todos os outros estão na arte por dinheiro. Fora as pessoas do governo, trabalhando com o dinheiro do contribuinte, todas as pessoas envolvidas com arte aqui só pensam em dinheiro. Tentei envolver todos os grandes colecionadores nesta exposição e a única coisa em que eles estão interessados é o dinheiro. No Brasil, a arte é um ativo anti-inflação. Aqui as pessoas não sabem o que fazer para manter o seu dinheiro, estão sempre com medo de alguém vir e levá-lo. Então, uma maneira de mantê-lo é o setor imobiliário – as pessoas são loucas por especulação imobiliária aqui e agora descobriram a arte. Elas compram arte. Mas só pensam por quanto a obra foi comprada e quanto ela vale hoje. A melhor maneira de progredir é aceitar a verdade. A verdade é que o Brasil é provavelmente o país mais criativo do mundo hoje, tem uma criatividade altamente contagiante e está lidando com assuntos interessantes. Mas se você quer saber o que a arte no Brasil é hoje, é um banco. Arte e criatividade são coisas muito diferentes. Criatividade é útil e muda a vida das pessoas e arte é algo que você coloca na parede e vende daqui a dez anos pra comprar uma pintura melhor.