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julho 18, 2014
Capital simbólico + pilar institucional = preço de mercado por Paula Alzugaray, Istoé Dinheiro
Capital simbólico + pilar institucional = preço de mercado
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé Dinheiro em 15 de julho de 2014.
A leitura do recém-publicado “O Valor da Obra de Arte” e a experiência da seleção brasileira na Copa 2014 fazem-nos ver o que o jovem jogador e o jovem artista têm em comum. Para se desenvolver dentro do Brasil, ambos precisam não só de mercados monitorados mas, acima de tudo, de pilares institucionais fortes
Em 1976, aos 28 anos, o artista carioca Cildo Meireles costumava desembarcar em São Paulo com uma mala cheia de desenhos, para vendê-los por conta própria. Só em 1981 sua obra passou a ser representada profissionalmente pela galerista Luisa Strina. Até 1990, quando vendeu sua primeira instalação para um museu do Texas, nos Estados Unidos, o artista costumava tirar dinheiro do próprio bolso para produzir seus trabalhos em grande formato. “Nesse meio tempo, o mercado de arte internacional se ampliou em direção ao Brasil”, diz o artista à jornalista Angélica de Moraes, em entrevista publicada no recém-lançado “O Valor da Obra de Arte” (Metalivros, R$ 28).
Na entrevista concedida à jornalista e crítica de arte, fica evidente que as portas de sua carreira foram abertas por instituições internacionais. Seu trabalho, mostrado pela primeira vez no exterior em 1988, na exposição “Brazil Projects”, no então espaço independente PS1, em Nova York – uma exposição importante, mas de repercussão restrita dentro do sistema da arte –, atingiria projeção massiva 20 anos depois, em retrospectiva na Tate Modern, de Londres. Hoje a obra de Cildo Meireles está em coleções públicas de nove países, incluindo o Brasil.
Mas para que os Cildos Meireles de amanhã possam vender suas instalações e viver de seu trabalho no Brasil, é necessário não apenas um mercado de arte saudável e bem monitorado, mas de pilares institucionais fortes dentro do país. Essa é uma das conclusões passíveis de serem extraídas após a leitura de “O Valor da Obra de Arte”.
Com entrevistas e ensaios de Angélica de Moraes, Alain Quemin e Ana Letícia Fialho, o livro elucida os processos de valoração simbólica e mercadológica da obra de arte a partir de análises sobre a expansão do mercado de arte brasileiro em relação ao contexto global. A partir da leitura dos ensaios dos três autores, é possível entender, por exemplo, que a internacionalização da arte brasileira fez parte de um movimento global.
Alain Quemin, especialista em sociologia de mercado e instituições de arte e catedrático da Universidade Paris-8, na França, expõe de que forma a instabilidade econômica global dos últimos 30 anos teria influenciado o fortalecimento de mercados de arte emergentes. Evidenciam essa tese os números do mercado chinês, que a partir de 2007 começaram a mudar o mapa mundi da arte: nesse ano, a China ultrapassa a França e passa a ocupar a terceira posição nas vendas mundiais em leilões, representando 6,7% do mercado mundial. Quatro anos depois, em 2011, o gigante asiático ultrapassa a Inglaterra e os EUA, abocanhando 41,4% do mercado mundial.
“Foi nos anos 1990 que agentes do sistema das artes dos Estados Unidos e da Europa passaram a buscar em regiões ‘periféricas’ uma ‘renovação controlada da oferta’, dando início a uma expansão das fronteiras do mapa internacional das artes”, aponta a gestora cultural e pesquisadora do sistema das artes Ana Letícia Fialho. “Em decorrência da crise econômica hipotecaria desencadeada em 2008, esse processo de reconfiguração se acelera em favor de economias emergentes como o Brasil”.
Mas, embora os especialistas frequentemente destaquem a notável performance chinesa, o Brasil ainda não aparece nas estatísticas internacionais. A atuação brasileira na distribuição do market share global dos leilões de arte, segundo dados do Artprice (plataforma internacional de informação sobre arte), está diluída entre os 6,7% dos “demais países”, depois de China, EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Suíça e Itália.
Ana Letícia Fialho destaca que a dificuldade de avaliar o lugar do Brasil no ranking global se deve à falta de sistematização de monitoramento de vendas no Brasil. A lacuna de indicadores, publicações, sites e bancos de dados locais fica evidente quando a pesquisadora enumera uma dezena deles, provenientes de todo o mundo, inclusive da Argentina, e dedica aos brasileiros – a versão brasileira da Artinfo e o site Catálogo das Artes – apenas uma nota de rodapé.
Autora de um dos poucos e raros estudos sobre o setor da arte contemporânea brasileira, a Pesquisa Setorial Latitude (com dados sobre o mercado de arte primário), Ana Letícia Fialho tem informação suficiente para afirmar que o mercado de arte contemporânea no Brasil vive desde os anos 2000 um momento de amadurecimento. Mas ela chama a atenção para uma situação paradoxal. “De um lado tem-se o mercado em plena expansão e produção pujante e internacionalizada; de outro, um quadro institucional extremamente frágil, incapaz de fomentar, exibir, refletir e sobretudo colecionar a produção contemporânea”. Os motivos, segundo a pesquisadora, residem na carência de políticas públicas consistentes para estimular melhores práticas nos museus e espaços culturais.
Assim, chegamos à equação básica do sucesso de qualquer mercado de arte: Capital simbólico + pilar institucional = preço no mercado.
Portanto, não é nenhum absurdo compararmos aqui o estado da arte e o do futebol. Há um claro paralelo entre a crise do futebol brasileiro, o enfraquecimento de suas instituições e a evasão de seus talentos para grandes clubes mundiais, e o fato da produção artística brasileira contemporânea estar muito melhor representada em coleções no exterior do que dentro do Brasil.
É preciso encarar que tanto o jovem jogador quanto o jovem artista, para se desenvolver dentro do Brasil, precisam não só de mercados regulados e monitorados, mas acima de tudo de pilares institucionais fortes.