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junho 12, 2014
Resposta de Lais Myrrha aos comentários de Pedro Mendes da Rocha e Lauro Cavalcanti, Pivô
Resposta de Lais Myrrha originalmente publicada no Pivô em 11 de junho de 2014.
O Pivô faz questão de tornar pública a carta da artista Lais Myrrha em resposta aos comentários feitos por Pedro Mendes da Rocha e Lauro Cavalcanti no site do IAB_SP no dia 9/6/14
Ontem recebi uma cópia de duas mensagens publicadas no Facebook do Pedro Mendes da Rocha, uma dele próprio e outra do Lauro Cavalcanti, vociferando contra meu trabalho. Pelo que está escrito, creio que nenhum dos dois viu pessoalmente a exposição.
Os dois textos apresentam argumentos que mostram claramente a falta de propriedade dos autores. O do Lauro Cavalcanti me preocupa muito mais, pois atualmente fui contemplada com o Prêmio Arte e Patrimônio concedido pelo IPHAN, Paço Imperial do Rio de Janeiro (instituição da qual é diretor atualmente e à qual está vinculado desde 1984) e Minc. A obra adquirida pelo Paço, por meio desse prêmio, chama-se Estado Transitivo # 1 e é a primeira da série que trata de nuances do acidente da Gameleira e de outros fatos que lhe tangem de forma mais ou menos direta. O segundo trabalho dessa série encontra-se no Pivô e integra a mostra Projeto Gameleira 1971. A diferença entre os dois é que o primeiro abarca um tempo histórico maior, citando acontecimentos periféricos e não menciona nomes.
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Leviana e Oportunista
Faz dez anos que penso em realizar um trabalho sobre a tragédia da Gameleira, um acontecimento relegado ao esquecimento coletivo e acontecido na minha cidade natal. Em 2004, quando realizava uma pesquisa para um trabalho que apresentei na primeira edição da Bolsa Pampulha, encontrei, nos arquivos do IML de Belo Horizonte, a lista dos 117 operários mortos ou desaparecidos no acidente que eu, surpreendentemente, não conhecia. Desde então, passei a pesquisar o assunto.
Quando, no ano passado, a Fernanda Brenner me convidou para fazer um projeto no Pivô, não sabia ainda que seria esse. Fui para o meu ateliê e passei em revista minhas pesquisas, atuais e mais antigas. Estava finalizando a publicação Breve cronografia dos desmanches, trabalho realizado pelo Edital Bolsa Funarte de Estímulo à Produção em Artes Visuais 2012. Esse trabalho trata do desmonte físico e simbólico das cidades a partir de tipologias inventadas que reúnem fatos reais e ficcionais. São pequenos relatos sobre demolições, desabamentos e afins. A isso se somou o fato do próprio Pivô estar em obras e do COPAN ser um espaço fisicamente desafiador. Além disso, o COPAN foi um projeto de Niemeyer que deu parcialmente errado, porque a construtora envolvida faliu e o Bradesco acabou comprando e finalizando a obra. Assim, o projeto não saiu como o desenhado pelo arquiteto, que só o reconheceu parcialmente anos depois.
Pensei que esta fosse uma conjuntura bastante apropriada e não, oportunista no sentido jocoso posto no texto de Cavalcanti. Havia uma convergência de forças que era, ao meu ver, emblemática. O fato dele ter sido inaugurado próximo à data de abertura da exposição monográfica sobre o Oscar Niemeyer foi uma coincidência, não sei se feliz ou infeliz. Só descobrimos isso quando o release foi enviado à assessoria de imprensa.
Sabia que estava mexendo num vespeiro dada a importância de Niemeyer para a arquitetura e as esferas do poder político e simbólico no Brasil. Por isso mesmo, optei, e fiz questão de deixar claro, que o Projeto Gameleira 1971 não fosse sobre o arquiteto (fica o convite para lerem o texto de Moacir dos Anjos sobre a exposição). Quanto ao Joaquim Cardozo, sempre ao mencioná-lo, é com grande reverência e levantando a suspeita de que ele foi injustiçado, inclusive porque era mais conveniente culpá-lo dadas as circunstâncias daquele momento. Essa suspeita consta no texto da obra “Estado transitivo #2” muito claramente. Aliás, encerro o referido texto usando um verso do poeta-engenheiro como forma de homenageá-lo. Imagino que o Diretor da IAB e o diretor do Paço Imperial e professor da UERJ conheçam a poesia “Salto Tripartido”.
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Quanto ao Niemeyer, seu silêncio é realmente imperdoável. Procurei uma declaração, qualquer que fosse, sobre o assunto e não achei quase nada, apenas uma matéria de jornal que diz o seguinte:
“Há dias, Oscar Niemeyer, preocupado com o noticiário internacional sobre o desabamento da obra por ele projetada, telefonou para o engenheiro Joaquim Cardozo, hipotecando-lhe solidariedade. Niemeyer encontra-se em Roma, tendo também telefonado para o governador Israel Pinheiro e Juscelino Kubitschek.” (JORNAL ESTADO DE MINAS – 12/03/71 – Caderno 1 – p. 13).
Talvez, devesse ter se pronunciado somente para se colocar mais francamente ao lado daquele que criou soluções totalmente inéditas para seus projetos e, de tabela, sem fazer proselitismo, ajudado as famílias dos operários a receberem o que lhes era devido. O arquiteto tinha força simbólica e, por isso, política para isso. Mas, claro, isso não é tarefa de arquiteto.
Vale lembrar que mesmo durante a ditadura e exilado, ele nunca deixou de trabalhar em obras públicas no Brasil, inclusive esta, que foi uma obra encomendada pelo governo do estado de Minas Gerais. Ademais, ele morreu mais de quarenta anos depois. Ele não tem culpa alguma pelo desabamento, e meu trabalho não pretende fazer julgo moral, mas ao nomear trabalho que traz os nomes dos operários mortos como Em memória ao silêncio do arquiteto, aponto para essa omissão. Incrível foi constatar que, ao entrar no Wikipédia, há um hiperlink no verbete do Joaquim Cardozo para a Tragédia da Gameleira e no da Tragédia da Gameleira para o do Joaquim Cardozo e para o de Niemeyer, mas no de Niemeyer não há hiperlink que conduza ao verbete sobre o acidente.
Por fim, considero sim, leviano e de má fé o comentário de Lauro Cavalcanti, ao acusar meu trabalho como proselitista e sem ética, dizendo que apareço glamurizada nos jornais me valendo de mortos. Tenho uma longa pesquisa sobre as lacunas da memória, sobre o esquecimento e as forças de poder nisso envolvidas. Aliás, meu trabalho de mestrado trata disso, trazendo comentários sobre vários trabalhos de arte envolvidos com essas questões. Não sou a primeira e nem serei a última artista a tocar nesse tipo de ferida, valendo mencionar trabalhos como os de Rosângela Rennó e de Clara Ianni.
Quanto às “vigas falsas” de que fala Cavalcanti, lamento informar que são parte de uma grande maquete. Nunca intencionei imitar vigas; a obra chama-se geometria do acidente e é um modelo físico, uma representação em escala feita a partir de uma imagem publicada na impressa da época. Portanto, mesmo que fora da escala usual para uma maquete, o trabalho não quer e não falseia nada, porque uma maquete nunca é a imitação daquilo que representa.
A exposição trata das relações entre poder, política e amnésia social. O fracasso que se estampou de forma parcial é o do projeto desenvolvimentista brasileiro, do qual esse arquiteto, quer queiram, quer não, é signo. É um projeto sobre a falsa memória de um modernismo vitorioso. Considero oportuno, dada a conjuntura política atual, trazer esse fracasso à tona. Meu ponto de partida é Walter Benjamin; não, Niemeyer. Sou pela história dos vencidos.
Esclarecidos os fatos que endossam minha pesquisa, espero poder conversar sobre arte.
Lais Myrrha