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junho 11, 2014
Entrevista – Curadora da 3ª Bienal da Bahia fala dos cem dias de atividades culturais no estado
Entrevista – Curadora da 3ª Bienal da Bahia fala dos cem dias de atividades culturais no estado
Entrevista de Nerivaldo Goes com Ana Pato originalmente publicada na FPC em 19 de maio de 2014.
Após uma lacuna de 46 anos, a Bienal da Bahia chega a sua terceira edição a partir dos dias 29 (Ações artísticas no MAM e Passeio Público): 30 (Ações artísticas na Fazenda Fonte Nova, do poeta-artista baiano Eurico Alves, 25 km de Feira de Santana) e 31 de maio, com a abertura da exposição de “Reencenação da 2ª Bienal da Bahia”, no Mosteiro de São Bento, em Salvador. Em entrevista, a curadora chefe, Ana Pato, adianta detalhes dos cem dias de exposições e atividades educativas que vão ocupar o Arquivo Público da Bahia e espaços culturais e sociais como bibliotecas, universidades, museus e outros equipamentos. Ana Pato integra a equipe de curadores-chefes juntamente com o crítico e diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), Marcelo Rezende, e o artista visual Ayrson Heráclito. Já os curadores-adjuntos são o pesquisador Fernando Oliva e a professora da Escola de Belas Artes da Ufba Alejandra Muñoz.
Confira a entrevista:
Ascom – Percebe-se que a temática do Arquivo está muito presente no conceito da Bienal. Como se construiu essa relação e de que forma o Arquivo Público da Bahia (APB) estará inserido nos 100 dias de atividades?
Ana Pato - A Bienal está diretamente ligada à ideia de arquivo como um todo, o objetivo foi justamente entender que essa não é a primeira, mas a terceira Bienal. Por isso, para começá-la, precisamos contar a história das duas últimas edições realizadas (1966 e 1968); esse é o dever de memória ao qual nos propusemos. São 50 anos do Golpe Militar no Brasil e somente agora começamos a abrir os arquivos da Ditadura Militar. A Bienal foi fechada, justamente, pelo regime e, talvez, essa tenha sido uma das principais ações de repressão sofridas na história da arte brasileira. Entendo o Arquivo Público da Bahia como um espaço de ação e, durante a Bienal, o público vai visitar as exposições, conhecer o arquivo, entender como ele funciona, qual a história do lugar e como sua equipe trabalha. Vamos propor uma dinâmica em que o trabalho do artista seja uma espécie de chave mágica que permita que o público possa conhecer o Arquivo em toda a sua dimensão, seja ela cultural, turística, histórica e de pesquisa. Vamos montar dentro do APB, o Arquivo Bienal, no qual as pessoas encontrarão inventários dos artistas que participam da Bienal. Assim, colocaremos a Bienal num processo de “arquivamento” durante o próprio evento, faremos a seleção, organização e disponibilização para consulta pública do inventário de ideias, propostas e diálogos com os artistas da Bienal, tudo isso dentro do próprio espaço do Arquivo.
Ascom – Como se deu a escolha do tema da Bienal?
Ana Pato - A escolha está ligada a esse desejo de retomada do projeto da primeira e da segunda Bienal. Na época, a Bienal da Bahia era um contraponto à Bienal de São Paulo, que naquele momento se propunha a mostrar o Brasil para o mundo. Enquanto que a Bienal da Bahia apresentava um outro Brasil para o Brasil. Assim, retomamos a ideia quando perguntamos “É tudo Nordeste?”. A 3a Bienal da Bahia se propõe a olhar o Brasil a partir dessa experiência de Nordeste, que não é necessariamente um Nordeste geográfico, mas um Nordeste imaginário. A 3ªBienal tem como proposta atualizar o projeto das suas primeiras edições, contudo, nossa intenção não é a de resgatar a memória, mas trabalhar a partir dessa memória, para dialogar com o presente.
Ascom – O que será inovador nesta Bienal?
Ana Pato - Vamos realizar a Bienal incorporando a situação real dos espaços em que estaremos presentes. Estamos construindo o mínimo possível e usando o que já existe. Não vamos sobrepor ou criar nenhuma situação de falseamento dos espaços, nada neste sentido. Não vamos construir paredes cenográficas, o mobiliário que vamos usar, tanto no Arquivo Público da Bahia, como no Mosteiro de São Bento, são os mobiliários que já existem em ambos locais.
Ascom – Já podemos falar de alguns nomes locais, que estarão no evento?
Ana Pato - Não divulgamos ainda uma lista, esse processo tem sido bastante orgânico, é possível que essa lista só exista no final da Bienal, quando chegarmos ao fim. Tem três artistas que consideramos centrais para o pensamento geral da Bienal, que são os artistas baianos, Rogério Duarte, Juarez Paraíso e Juracy Dórea. Estamos trabalhando esses artistas como artistas-totais, no sentido de tentar mostrar na Bienal o pensamento desses artistas como um todo e não apenas, um fragmento. Dessa forma, temos um Rogério Duarte jogador de xadrez, matemático, designer, compositor, tradutor, que constroi instrumentos musicais. O Juarez Paraíso, que criou a primeira e segunda Bienal, é um artista central, cuja obra será tema de uma exposição monográfica. E o Juracy Doréa, de Feira de Santana, que norteia para nós o sertão imaginário do nordeste. Dórea é também o criador da identidade visual da Bienal.
Ascom – Qual a importância da Bienal da Bahia para o meio artístico local?
Ana Pato – Estamos fazendo uma Bienal com o que se tem e não com o que se deveria ter e acho que isso é muito importante para o contexto local. Quem espera ver um modelo de Bienal internacional, ou mesmo um modelo mais tradicional, talvez se frustre. A proposta da 3ª Bienal da Bahia é pôr luz em coisas que existem, mas que estavam de alguma forma invisíveis. Este é o caso dos arquivos. Mas também pode ser estendido ao desconhecimento da produção artística do nordeste, pelo circuito das artes.Nossa intenção é apresentar um modelo de Bienal possível de ser realizada localmente. É nesse sentido, que estamos trabalhando com o pensamento dos artistas e não com obras. Os artistas têm nos ajudado a solucionar problemas reais. Por exemplo, como tornar tornar público, o arquivo público?
Ascom – Como a leitura estará inserida nesta Bienal?
Ana Pato – No caso do Arquivo Público da Bahia vamos retomar a história do prédio que foi uma Quinta, a Quinta do Tanque, casa jesuíta onde o Padre Antonio Vieira morou por volta de 15 anos. Durante a Bienal faremos encontros sob o pé da mangueira, no jardim, as “Quintas na Quinta”, o público será convidado para participar de leituras de poesia, de encontros para copiar e ler documentos, para discutir história, antropologia, turismo, arquitetura. Além disso, haverá a leitura de trechos do livro “História do Futuro”, do Padre Antônio Vieira, talvez a primeira obra de ficção científica escrita em Português. Temos um grupo de trabalho interdisciplinar que está visitando as Bibliotecas Públicas do Estado, nas quais estamos propondo uma série de atividades. Também realizaremos a “Bienal Inverso”, que trabalhará a questão da história oral, fazendo assim um contraponto com a ideia do Arquivo Público, que é o lugar da história escrita. Enfim, a leitura vai acontecer em vários lugares.
Ascom – Para finalizar, de fato “É tudo Nordeste”?
Ana Pato - Acho essa pergunta bastante pertinente, mas não tenho a resposta, é muito mais uma pergunta aberta e para ser construída. Estamos propondo um encontro para o final da Bienal para discutir, e então, “Foi tudo Nordeste?