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maio 25, 2014
Burocracia sem fim por Teixeira Coelho, Folha de S. Paulo
Estatuto de Museus deverá melhorar o acesso à arte? NÃO
Burocracia sem fim
Tendências/Debates de Teixeira Coelho originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo em 10 de maio de 2014.
Várias legislações nacionais restringem a livre circulação da arte pelo mundo. Não há novidade nas recentes normas sobre a decretação de interesse público para certas obras e, com ela, a imposição de restrições à sua disponibilidade. Chama a atenção é o grau de incerteza e flutuação do sentido nos novos textos legais, ao lado do desejo do legislador de legislar sobre o que não é legislável.
Um dos pontos discutíveis do novo ordenamento é a ideia de obra "musealizável", ou obra passível de figurar na coleção de um museu e que, por essa condição, é em princípio limitada em sua circulação. Mas o quê ou quem diz que uma obra é ou será passível de musealização --e quando e, sobretudo, até quando? Há pouco, um leilão da Sotheby's ofereceu à venda uma obra de Monet "desadquirida" pelo Metropolitan de Nova York, obra que o museu entendeu não mais ser indispensável. O que hoje parece "musealizável" pode assim não parecer no futuro. A arte não é, ela sempre é por enquanto. Enquanto isso, os direitos imediatos do artista e do proprietário da obra podem ser seriamente afetados por uma burocracia que, neste país, não tem limites nem se dá prazos.
O poder público parece preocupado em não deixar que alguma arte saia facilmente do país. Perfeito. Mas que tal se tratasse (também) de facilitar a entrada de arte no país? Uma obra doada a um museu passa hoje por um labirinto de martírios para obter a isenção dos impostos correspondentes. O museu que a recebe não tem como pagá-los e o doador não quer pagá-los (já fez sua parte): ver num museu brasileiro uma obra doada proveniente do exterior? Só depois de uma odisseia burocrática que inclui fatores extralegais ("por que uma doação para esse museu? Por que não para este outro?")
Está implícita nessa questão uma dúvida: obra de arte tem a mesma natureza de um carro, um computador ou um quilo de macarrão e deve ser tratada do mesmo modo quando "importada"? Se sim, não há motivo para um interesse público pela obra a ponto de restringir sua circulação: que se paguem os impostos e pronto. Se, pelo contrário, arte for alguma coisa diferente, se tiver um valor agregado, por que tratá-la como produto igual aos demais? Ah, sim: porque arte também pode ser negócio. De fato: o mercado é indissociável da arte. Mas se o interesse é público, por que cobrar impostos sobre a arte que entra? Ou será que quando o poder público decretar uma obra como de interesse público seu proprietário será ressarcido dos impostos talvez pagos?
Mais importante: atende o interesse público que uma obra definida "de interesse público" fique eternamente guardada na privacidade de uma coleção particular, longe do olhar público? Ou será seu proprietário obrigado a depositá-la num museu público para que seja vista publicamente? Ou emprestá-la compulsoriamente para x museus e espaços públicos por x tempo? Mas e se nenhum museu quiser recebê-la por não a considerar "musealizável"? Algum museu será obrigado? Questões pouco práticas, dirão, que não cabem. Filosofias. O problema é que essas são questões inerentes à arte e que a alcançam em seu cerne.
Movido sempre por um patrimonialismo que constitui o leito profundo e inóspito da cultura brasileira, o poder público age antes para restringir do que para propiciar. Declarar de interesse público uma obra de arte não contribui para seu conhecimento e circulação. Interessa mais é ver o país dotado dos meios que de fato coloquem a arte ao alcance dos que a ela queiram acesso. Para usar uma expressão de moda, do poder público se espera que seja pelo menos proativo e não, como neste caso, "proativo negativo."
A situação do mercado da arte não preocupa, ele saberá encontrar seus caminhos. Preocupa a circulação das obras, que dá à arte seu sentido pleno. Antes que questões deste tipo, e outras, fiquem claras para o poder público e para o público, não há razão para mais uma lei. A situação da arte não tem, nesse aspecto, nenhuma urgência que justifique outro imbróglio jurídico.
TEIXEIRA COELHO, 69, é curador do Masp (Museu de Arte de São Paulo)
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