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maio 25, 2014
Silêncio no mercado contribui para falsificação de pinturas por Patricia Cohen, Folha de S. Paulo
Silêncio no mercado contribui para falsificação de pinturas
Matéria de Patricia Cohen, do New York Times, originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 20 de maio de 2014.
A prisão de dois irmãos espanhóis acusados de vender pinturas falsificadas como se fossem originais dos maiores mestres modernistas americanos voltou a apontar os refletores para um esquema fraudulento que existe há 15 anos, já acumulou US$ 80 milhões (R$ 177,1 milhões) e ajudou a desmoralizar a galeria mais antiga de Nova York, a Knoedler & Company, fundada em 1848.
Documentos judiciais referentes ao caso revelam que falcatruas ambiciosas como esta no mundo das artes dependem não só de uma operação conjunta engenhosa ou de um imitador talentoso.
Também é essencial haver pessoas, às vezes manipuladas sem seu conhecimento, que dem credibilidade a essas falsificações.
Alguns especialistas em arte que autenticaram fraudes de obras de Jackson Pollock, Mark Rothko e Robert Motherwell tiveram seus honorários de consultoria pagos pela Knoedler.
Outros estudiosos identificaram várias obras como falsas, mas foram instruídos por advogados a ficarem calados para evitar processos judiciais.
A pouca transparência no comércio de arte impede que se estabeleça um padrão -mesmo após algumas falsificações.
Esses problemas permeiam o mundo das artes visuais há décadas, disse Stephen Urice, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Miami.
E citou um despacho judicial de 1978: "Na terra da fantasia do marketing nas belas artes", nomes prestigiosos "desabam de uma hora para outra", e grandes quantias são transferidas rapidamente, escreveu o juiz J. Shorter, da Suprema Corte de Nova York.
No caso Knoedler, a única pessoa condenada até agora é Glafira Rosales, uma marchand de Long Island que se declarou culpada de fraude no fim de 2013.
Promotores dizem que, dentre os comparsas dela, estavam os irmãos José Carlos e Jesús Ángel Bergantiños Díaz, e Pei-Shen Qian, o imitador.
Os irmãos foram soltos sob fiança na Espanha e Qian está na China. Os negociantes que venderam dezenas dessas obras —Ann Freedman, ex-presidente da Knoedler, e Julian Weissman— continuam afirmando que tinham certeza de que elas eram genuínas.
Jack Flam, um dos primeiros a desconfiar da autenticidade das pinturas vendidas por Rosales, disse: "Dentre os fatores por trás do êxito desse esquema, o primeiro é que todos temem ser processados. As pessoas dão credibilidade a obras inadvertidamente mantendo o silêncio".
Flam é o presidente da Fundação Dedalus, grupo criado por Motherwell. Ele e seus colegas inicialmente ficaram impressionados com os supostos Motherwells, mas em 2007, quando o número de obras atribuído ao artista aumentou demais, eles desconfiaram.
Flam logo descobriu que o espólio de Richard Diebenkorn, a Fundação Willem de Kooning e a Fundação Barnett Newman também suspeitavam de obras postas à venda pela Knoedler.
"Todas essas fundações sabiam que havia algo errado, mas não estavam a par de que outras instituições tambêm tinham problemas", comentou Flam.
Em 2005, Eugene Victor Thaw, especialista em Jackson Pollock, disse que duvidava da autenticidade de dois quadros. Embora tenha comentado privadamente sobre suas suspeitas, Thaw foi impedido de dar opiniões formais devido a vários processos.
Em junho de 2008, meses após a Dedalus começar a fazer questionamentos, três especialistas da Barnett Newman confirmaram que uma suposta obra de Newman, de posse da Knoedler e exposta na Fundação Beyeler na Suíça, era falsificada.
No entanto, Yves-Alain Bois, um dos especialistas, escreveu em um e-mail para a Beyeler, que ele e seus colegas foram "orientados a não dar declarações públicas" por um advogado da Fundação Barnett Newman, o qual temia um processo.
Manter o silêncio é a norma. Museus, que antes davam opiniões sobre arte, deixaram de fazer avaliações.
A tradição de silêncio no comércio das artes pode mascarar sinais de advertência. Rosales não levantou suspeitas quando insistiu que o dono de supostas obras-primas —ao qual ela se referiu como X— pediu o anonimato.
E o uso da expressão "coleção privada" fez com que ninguém, além dos negociantes, soubesse que essas obras eram fornecidas por uma única fonte. "Manter segredo é algo que ocorre com enorme frequência nesse negócio", explicou Weissman.
Alguns donos de pinturas vendidas por Rosales talvez ainda não saibam que compraram falsificações, pois a Knoedler e a Weissman às vezes vendiam obras por meio de outras galerias.