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abril 28, 2014
Brasileiro Tunga abre nova exposição em galeria de Nova York por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de S.Paulo
Brasileiro Tunga abre nova exposição em galeria de Nova York
Matéria de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada no jornal Folha de S.Paulo em 28 de abril de 2014.
Na semana passada, a galeria Luhring Augustine, no bairro de Chelsea, em Nova York, abriu suas portas para uma nova exposição do brasileiro Tunga, intitulada, em francês, "La Voie Humide" (a via úmida).
Nova, no caso, tem sentido especial: é a primeira apresentação de um conjunto de obras que se destaca da produção anterior do artista - embora mantenha, naturalmente, relações com a sua rica e já longa trajetória.
"É claro que a gente não consegue não ser a gente mesmo", diz ele, que completa 62 anos em outubro.
"Mas depois de um momento que eu considero de síntese da minha obra, eu achei por bem tentar recomeçar", afirma.
"À diferença do que vinha fazendo antes, me lancei em algumas aventuras completamente às escuras, ou melhor, ofuscado por um excesso de luz, um sentimento muito poderoso. Essas coisas acontecem porque a gente está vivo. A tarefa de um artista, de um poeta, é também a de estar atento a essa possibilidade de se transformar continuamente."
Das 11 esculturas e dos 14 desenhos em exibição até 31 de maio, emerge uma poética mais luminosa, construída a partir de um novo repertório de materiais e desenvolvida de maneira pouco usual na carreira do artista.
A começar pela presença de peças moldadas à mão, que foram se configurando não a partir de um projeto fechado, mas ao longo de sua própria feitura.
"Eu pus a mão na massa, literalmente. Comecei a trabalhar com terracota, a esculpir e modelar", conta.
"Deliberadamente me coloquei nesse retorno ao fazer com a mão. Sem nenhum elogio a isso, mas com a ideia de que aquilo que a mão fala é fundador. Quando você se volta para o fazer com a mão, você de algum modo se reencontra com o arcaico, com as matrizes."
A terracota é apenas um dos materiais presentes nas esculturas -tripés de ferro que sustentam um arranjo de peças. O artista também usou, entre outros, resinas, goma arábica, borracha, gesso, panos, bronze, pérolas e tubos de vidro com mercúrio.
Ele considera que a escolha de novos materiais reflete, por si, um modo de pensar, e que traz embutida "a expressão de uma certa alegria", que também se traduz "na presença clara de uma cor um pouco híbrida, de começo de dia, de praia antes do sol nascer" -em contraste com fases mais "escuras"- de seu trabalho.
"Creio que a mudança radical que se operou na minha vida foi perceber que há mais mistério na vida, na luz, do que na morte", resume.
ESPELHO
Tanto as esculturas quanto os desenhos contêm referências explícitas -e implícitas- ao corpo, mas numa fase particular, que se relaciona com a noção psicanalítica do "estágio do espelho".
"Para um bebê", explica ele, "o corpo nesse estágio é percebido como formações sucessivas, configuradas segundo ordens da natureza e do desejo. São partes que se fundem, se soltam, se moldam, se ligam umas às outras e também a coisas exteriores, como o seio materno, a luz ou os ruídos".
Mecanismo similar corresponde ao princípio de construção das novas obras, que conectam elementos diversos num mesmo conjunto -ou num mesmo corpo.
Tunga acredita que a experiência infantil do "corpo expandido" pode ser experimentada em fases posteriores da vida através do amor.
"Falo do amor como a excelência do que eu chamo de energia de conjunção, aquela energia capaz de fazer com que de dois elementos surja um terceiro. Os três, formando uma tríade, são uma unidade e uma coisa nova."
Ele vê, ainda, nos seus novos trabalhos, um caráter de "oráculo". "Também pelo fato de remeterem a um modo de pensar relacionado ao arcaico, eles trazem essa característica. É quase como se você pudesse perguntar a eles sobre a natureza de uma pluralidade de coisas e eles pudessem te responder -caso você esteja aberto para as respostas."
Convidado para a próxima Bienal de São Paulo, Tunga afirma que pretende explorar a ideia de oráculo de maneira talvez mais explícita, criando uma relação "quase que interpessoal" da obra com o público.
"O trabalho ainda está em fase de preparação, mas posso adiantar que, ao contrário da ideia de monumentalidade que a Bienal evoca, eu vou numa direção quase intimista, embora em grande escala", diz.
LA VOIE HUMIDE
QUANDO de ter. a sáb., das 10h às 18h; até 31/5
ONDE Luhring Augustine, 531 West 24th street, tel. (1) 212-206-9100, Nova York