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março 26, 2014
Carlos Zilio: ‘Os desenhos saíam da prisão com as visitas’ em depoimento a Audrey Furlaneto, O Globo
Carlos Zilio: ‘Os desenhos saíam da prisão com as visitas’
Depoimento dado a Audrey Furlaneto originalmente publicado no jornal O Globo em 23 de março de 2014.
O artista plástico, de 69 anos, diz que as obras criadas atrás das grades só foram mostradas pela primeira vez em 1996
Assista ao depoimento em vídeo no Globo
RIO — Em 1964, eu era um estudante de arte e, embora não fosse militante, vivia intensamente o clima político. Minha geração nas artes plásticas surgiu nesse momento — muito mobilizada pelos acontecimentos no país. E isso apareceu nas mostras “Opinião 65”, “Opinião 66” e “Nova Objetividade Brasileira” (1967).
No período entre 1964 e 1968, a Censura atuava nas áreas mais críticas — a imprensa e a literatura, por exemplo. As artes plásticas eram um pouco excêntricas, no sentido de fora do centro.
A partir do Ato Institucional número 5, a Censura chegou. Até aquela época, havia a possibilidade de exposições e de troca de ideias. Estética e política formavam uma unidade. Os trabalhos eram feitos pensando em sua multiplicação, em romper com a obra única e ganhar uma dimensão pública.
Depois de 1968, passei a achar mais urgente uma resposta política de intervenção na realidade e fui me engajando cada vez mais. Deixei de produzir arte para me ligar completamente à militância. Não produzi trabalhos entre 1968 e 1969. Em 1970, fui preso.
Na prisão, retomei minha produção com recursos, evidentemente, muito limitados: papel e caneta hidrográfica. Lá, fiz trabalhos que me acompanharam ao longo dos dois anos em que estive preso. Os desenhos saíam da prisão com as visitas. Minha mulher os levava embora. E esses trabalhos só foram mostrados pela primeira vez em 1996, nos museus de Arte Moderna do Rio, de São Paulo e da Bahia. Tive muita dificuldade para expô-los. Temia que fossem percebidos como uma glamourização de minha atuação política. Mas aquilo era a minha vida , não dava para recalcar. O tempo havia passado e, além disso, o país tinha se redemocratizado.
Ao redor de 1974 acho que as artes plásticas foram se rearticulando politicamente. A chamada abertura ensaiava seus primeiros passos, mas não era um processo de concessões.
Nós, artistas, buscamos formular projetos e conquistar espaços para a circulação de nosso trabalho. A censura era algo que a gente ia forçando para testar suas resistências e formular maneiras de superá-la.
Exercício da liberdade
Houve uma politização do espaço artístico no sentido de perceber melhor que a criação, a circulação e o consumo da arte compreendem necessariamente instâncias políticas e ideológicas que envolvem instituições e mercado. Nota-se, nessa época, a presença dos artistas na luta pela definição dessas políticas como, por exemplo, na publicação de “Malasartes”, uma revista dedicada à arte e à cultura contemporâneas. Em 1975, no MAM, houve a criação da Área Experimental, espaço que possibilitou a emergência de obras que retomavam a expressão de Mario Pedrosa (1900-1981). Era a “arte como exercício experimental da liberdade”.
* Em depoimento a Audrey Furlaneto