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janeiro 13, 2014
Tate refaz ode ao silêncio da artista plástica Mira Schendel por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Tate refaz ode ao silêncio da artista plástica Mira Schendel
Crítica de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 11 de janeiro de 2014.
Depois de uma série de salas fechadas, com obras expostas frente a frente, surge um respiro luminoso. São as peças translúcidas de Mira Schendel, que pendem do teto diante das janelas com vista para a catedral de St. Paul, do outro lado do Tâmisa.
Suas constelações de letras sobre folhas quase transparentes prensadas entre chapas de acrílico flutuam iluminadas pela luz do sol, numa espécie de dança amortecida.
Esse parece ser o ponto fulcral da retrospectiva que a Tate Modern, em Londres, dedica à artista suíça radicada no Brasil. É a manifestação física da ideia de uma arte em que "pouco importa o objeto, mas sim a luz e as sombras", como já afirmou a artista.
Schendel, morta aos 69, em 1988, tem agora na capital britânica a maior mostra de sua trajetória, a mesma que virá em julho à Pinacoteca do Estado, em São Paulo.
É um contraponto necessário e acachapante à algazarra carnavalesca que o circuito global costuma associar ao Brasil, terra das esculturas sensuais de Ernesto Neto e das cores estridentes das pinturas de Beatriz Milhazes.
Em mais de 250 obras, Schendel orquestra uma ode ao silêncio, das primeiras naturezas-mortas que pintou nos anos 1950, com figuração tímida, já em direção à abstração, aos trabalhos do fim da carreira, nos anos 1980, com sarrafos que saltam da superfície da tela em alusão à brutalidade da ditadura.
Nas palavras do poeta Haroldo de Campos, Schendel criou uma "arte de vazios, onde a extrema redundância começa a gerar informação original". É, por isso, uma arte contra a ansiedade, que desacelera e detém o olhar com formas que parecem sempre estar num tom rebaixado.
É como se Schendel mostrasse não uma obra plástica concluída, mas uma latência da forma. Isso transparece com nitidez em suas primeiras paisagens, em que só uma linha sugere o horizonte, separando o céu das trevas.
Também está nas "Droguinhas", delicados emaranhados de papel que parecem ilustrar o caos criativo por trás de uma obra, e no "Trenzinho", uma série de folhas brancas enfileiradas ao longo de uma linha. São obras que parecem acolher devaneios de terceiros, como alvos da projeção de desejos.
Essa sensação ganha força na megainstalação "Ondas Paradas de Probabilidade", uma chuva de fios de náilon que domina uma sala inteira.
Mostrada pela primeira vez na Bienal de São Paulo de 1969 —a edição boicotada por artistas do mundo todo em repúdio à ditadura—, a peça corroborava o silêncio imposto da época, ao ocupar sem de fato preencher o espaço vazio, com uma presença mais fantasmal do que física.
Nesse ponto, cabe fazer uma única ressalva à mostra. Numa série de salas pequenas, a Tate dividiu a obra de Schendel em capítulos estanques, como se isolados no tempo, quando uma leitura fluida de suas peças faria maior justiça ao conjunto.
Mas isso não anula aquilo que o crítico britânico Guy Brett enxergou como "elemento elétrico" de suas peças, capazes de abalar todo o ambiente ao redor delas.