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outubro 10, 2013
Manifestações mudam conceito e dão tom político à Bienal de Istambul por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Manifestações mudam conceito e dão tom político à Bienal de Istambul
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 1 de outubro de 2013.
As manifestações em defesa do parque Gezi, na capital turca, e contra o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, que tiveram início em maio desse ano, transformaram o conceito da 13ª Bienal de Istambul, aberta em 12 de setembro e que vai até 20 de outubro.
Com o título "Mom, Am I a Barbarian?" (mãe, eu sou um bárbaro?), a mostra teria como temática arte em espaços públicos com 14 obras instaladas pela cidade, incluindo o parque Gezi.
"Percebi que não teria sentido ocupar lugares públicos com a aprovação de um governo que considero ilegítimo, sendo que esse mesmo governo jogava gás nos cidadãos e chegou a matar sete deles", conta a curadora turca Fulya Erdemci.
Bienal de Istambul 2013 - ver imagens na matéria da Folha Ilustrada.
Com isso, além de ocupar os dois locais inicialmente planejados, o Antrepo, que tem sido a sede permanente da Bienal, e uma escola primária, outros três espaços foram agregados ao evento, dois deles galerias privadas. "Isso foi decidido em agosto, na última hora. Mas achei importante tornar públicos, lugares que são privados."
Outra mudança significativa na Bienal, motivada pelos manifestantes, foi a gratuidade da exposição. Até então paga, a mostra obtinha cerca de 20% de seu orçamento, de € 2 milhões (cerca de R$ 6 milhões), pela bilheteria. Para compensar a perda, foram canceladas festas e a mostra foi encurtada em três semanas, ficando em cartaz até 20 de outubro.
Todas essas alterações, contudo, são para Erdemci a comprovação do acerto de sua temática: "As questões que eu levantava em meu conceito inicial, tais como se é possível reunir coletivamente diferentes mundos, sejam étnicos ou ideológicos, aconteceram de fato nas ruas da Turquia, ao menos por quinze dias."
Essa energia reverbera pela mostra, que carrega forte carga política. Mesmo obras que não necessariamente surgiram a partir dessa questões, como o vídeo dos brasileiros Cinthia Marcelle e Thiago Mata Machado, "O século" (2011), no qual se observam detritos sendo jogados na rua e uma estranha fumaça surgindo em meio a eles, lembram agora cenas de um confronto impedido com gás lacrimogêneo.
Mais explícito é o videoclipe de um grupo de rap, realizado por Halil Altindere, sobre a destruição de bairros populares de Istambul para construção de casas de alto padrão, uma das motivações dos protestos na Turquia. Detalhe: a obra foi feita em fevereiro, meses antes dos protestos terem início.
"A arte pode abrir os poros do sistema para apontar novas possibilidades, para sugerir novas utopias", conta Erdemci, comentando o trabalho de Altindere.
Para ela, aliás, essa é a inspiração do título. "Bárbaros são os que não falam a língua oficial, portanto os poetas, revolucionários, os anarquistas, os marginais, aqueles que buscam transformação".
POSTURAS POSSÍVEIS
Contudo, a mostra não aponta apenas atitudes engajadas politicamente. "Eu acredito que existem sempre duas possibilidades: ou se parte para a luta ou se retira para reflexão, e por isso considero o trabalho do Cadu uma das peças essenciais da exposição", diz a curadora.
"Projeto Estações", do brasileiro Cadu, é uma espécie de performance, realizada ao longo de um ano, na qual ele viveu, de forma autossuficiente, em um cabana construída por ele mesmo em uma floresta em Petrópolis (RJ). Em Istambul, Cadu apresenta uma maquete da cabana e imagens realizadas em sua experiências, vistas também na Bienal de São Paulo, no ano passado.
A exposição, com 88 artistas, traz ainda outros dois brasileiros: Fernanda Gomes, com uma sala feita por objetos coletados nas ruas da cidade, e Fernando Piola, com a documentação de intervenções suas em São Paulo, plantando flores vermelhas em locais próximos de onde houve tortura durante a ditadura brasileira.
Política e poética, "Mom, Am I a Barbarian?" revela como a arte pode ser sintonizada com o presente sem ser panfletária.
O jornalista FABIO CYPRIANO viajou a convite da Fundação para Cultura e Arte de Istambul.