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agosto 31, 2013
Brasil no circuito da arte por Tamara Menezes, Istoé
Brasil no circuito da arte
Matéria de Tamara Menezes originalmente publicada na revista Istoé em 23 de agosto de 2013.
Movimento em alta nas galerias do País: novos consumidores são atraídos pela atmosfera hoje mais descontraída do mercado, pelas possibilidades de investimento ou até pela busca de status intelectual
Um novo consumidor de arte vem frequentando cada vez mais galerias, cursos e exposições no Brasil. O fenômeno se deve a um intercâmbio de mão dupla: tanto as feiras e galerias especializadas estão menos herméticas, com formato mais descontraído e próximo do perfil brasileiro, quanto os potenciais compradores já não parecem se sentir intimidados a frequentar esses lugares. Claro, a estabilidade econômica e a migração de classes para cima fazem toda a diferença. Com isso, o País entrou na rota de galerias importantes, como a americana Gagosian e a britânica White Cube, e as feiras internacionais oferecem obras para diferentes bolsos e gostos. Resultado: calcula-se que cerca de 15% do total de visitantes compra algo ao fim da visita. Os preços variam das centenas aos milhões de reais. Segundo Brenda Valansi, organizadora da feira ArtRio – cuja próxima edição acontece entre 5 e 8 de setembro no Rio de Janeiro –, para muita gente, o gelo foi quebrado. “Depois de adquirir a primeira peça, a pessoa vê que não precisa ser um intelectual para escolher e se apaixonar”, afirma. “As feiras permitem ao neófito ver maior número de trabalhos e comparar”, diz Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte, em São Paulo.
O binômio necessário continua sendo cultura e dinheiro. Mas a novidade está no consumidor, que revê seus conceitos. Segundo Mario Cohen, da carioca Pequena Galeria 18, carros, joias e roupas eram os símbolos de status. Hoje, porém, “ter uma obra de arte demonstra, além de status, cultura”. Guilherme Pinho, advogado mineiro de 36 anos, é um dos novatos que perderam o medo de ingressar no mercado. “Sempre tive vontade de investir em arte. Só não sabia que era tão acessível, muito mais do que eu esperava”, diz. A nova geração de compradores participa, ainda, de clubes de colecionadores que promovem palestras, visitas especializadas a exposições e ateliês, viagens temáticas e obtêm descontos na forma de pagamento. “Muitos são pessoas recém-estabelecidas financeiramente, que adquirem obras de seus artistas favoritos ou simplesmente estão à procura de um trabalho que os represente”, afirma Laura Marsiaj, da galeria que leva seu nome, no Rio de Janeiro.
Marc Kraus, 43 anos, dono de uma agência de viagem, conta que sofreu “bullying cultural” quando quis iniciar uma coleção, por conta da idade – tinha 36 anos – e do seu visual, com tatuagens. Apesar da intimidação inicial, persistiu e hoje é um feliz proprietário de peças de arte contemporânea. “O olhar do investidor, o olhar do colecionador e do apaixonado têm que combinar. Não penso em vender. Minha coleção ilustra minha vida”, diz. A paulistana Elvira Bauer, maquiadora de 51 anos, foi impulsionada pela identificação com as obras – uma gravura de Regina Silveira e uma xilogravura de Samico que custaram R$ 4 mil e foram pagas em dois cheques pré-datados.
Victoria Gelfand-Magalhães, diretora da galeria Gagosian, importante multinacional presente em sete países, explica que iniciantes na arte têm padrão de comportamento semelhante nos países emergentes. “Começam procurando obras de seus conterrâneos, porque lhes são familiares. Com o amadurecimento do mercado, o colecionador se torna internacional”, afirma. Responsáveis por 38% das vendas de arte contemporânea no ano passado, as feiras têm ainda isenção do ICMS – 18% sobre o valor da obra. Mesmo assim, com taxas de importação e seguro obrigatório, a tributação de peças estrangeiras chega a 42% sobre o total. A crise financeira internacional de 2009 estimulou o mercado de arte em países como Rússia, China, Índia e Brasil. Também a instabilidade da Bolsa de Valores, em imóveis e no câmbio, levou novos clientes aos estandes de arte. A negociação de obras consagradas, as chamadas “blue chips”, chamou a atenção das grandes galerias. Arte se tornou uma opção estável, portátil, tangível e rentável para investir dinheiro em meio à volatilidade dos mercados financeiros.
“Peças mais baratas podem, em oito ou dez anos, valorizar até 15 vezes. Só opções de investimento de alto risco oferecem esse retorno”, afirma Alexandre Murucci, organizador da feira Artigo Rio. Com a procura, aumentaram os preços das “blue chips” também – Beatriz Milhazes já teve quadro vendido por R$ 4,2 milhões, maior valor para um artista brasileiro vivo. O pesquisador de arte Marcio Roiter lamenta quando as obras são avaliadas pela perspectiva de valorização e não por valor intrínseco e beleza. “Arte não é ação ao portador, é prazer”, afirma.