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agosto 29, 2013
Beatriz Milhazes ao vivo por Nani Rubin, O Globo
Beatriz Milhazes ao vivo
Matéria de Nani Rubin originalmente publicada no jornal O Globo em 27 de agosto de 2013.
Beatriz Milhazes - Meu bem, Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ - 30/08/2013 a 27/10/2013
Muito falada, mas pouco vista no Brasil, a mais cara artista viva do país reúne 61 obras no Paço, 11 anos após sua última grande mostra no Rio
RIO - Quem leu as páginas de cultura de jornais, sites e blogs nos últimos anos deve estar cansado de saber que Beatriz Milhazes é a mais cara artista brasileira viva. Que pinturas como “Meu limão” (2000) e “O mágico” (2001) alcançaram cifras milionárias em leilões de casas como Sotheby’s e Christie’s. Que há fila, entre os endinheirados de bom gosto, para comprar uma tela sua. Que arabescos, mandalas, flores e ouro se repetem em sua produção, compondo obras de colorido exuberante, que todo mundo parece conhecer, de tanto ver em imagens, impressas ou digitais, que acompanham notícias sobre a artista. Parece conhecer, ressalta Beatriz.
— Ninguém conhece de fato a obra de um artista se não a vir ao vivo — ela diz. — Outro dia uma pessoa me falou que conhecia minha obra, perguntei a que exposições tinha ido, e ele respondeu que nunca havia visto uma. Então não conhece. Para conhecer tem que ver a escala, a matéria, a manufatura.
É, portanto, uma oportunidade de ouro (e arabescos, flores, mandalas...) a exposição “Meu bem”, que será inaugurada nesta quinta-feira, às 18h30m, no Paço Imperial. Estarão lá 60 pinturas, gravuras e colagens, feitas entre 1989 e 2013, além de um móbile de nove metros de altura, “Gamboa I”, produzido especialmente para o local. A artista de 53 anos — que fala sobre sua obra hoje, às 20h, na Casa do Saber O GLOBO, ao lado de Lauro Cavalcanti, diretor do Paço, em evento com ingressos já esgotados — festeja sua primeira grande exposição na cidade desde 2002, quando ocupou o CCBB com 22 trabalhos. É a mostra que marca seus 30 anos de carreira, contados a partir da primeira exposição, em 1983. Mas é, principalmente, a maior panorâmica da artista.
Autor de ensaios sobre Beatriz e curador da exposição “Panamericano”, montada no ano passado no Malba, em Buenos Aires, o francês Frédéric Paul optou por uma mostra centrada na pintura, mas com um diálogo com a gravura e a colagem, que aos poucos foram introduzidas. Os trabalhos anteriores a 1989 ficaram de fora. Ele explica a escolha:
— Esse é o ano em que ela começa a usar a técnica do decalque. É nesse momento que algo muda em seu trabalho. Antes, fazia uma referência forte às artes decorativas, ao período histórico brasileiro, imperial, com rendas, bordados. Mas a partir de 1989 sua pintura se torna menos espontânea e mais distanciada. Ela parte para a abstração.
Basicamente cronológica, a exposição faz alguns saltos. Já na abertura, Paul pôs uma tela do ano-marco, “Me perdoa... te perdoo” (1989) ao lado de uma recém-saída do ateliê no Horto: “Lavanda” (2012/2013), para mostrar como a primeira “antecipa de forma espantosa a problemática” que vai percorrer mais tarde a obra da artista. Em outra sala, ele reuniu a pintura “O sonho de José” (2003/2004), a colagem “Ginger, candy” (2006) e a gravura “Havaí” (2003), as três com uso marcante do arabesco. Na última sala, a tela “Domingo” (2010) está ao lado de uma série de gravuras nas quais o curador identifica uma “tentação pela arte cinética”: listras e estrias de cores vibrantes revelam o desejo do movimento.
Visão particular das quatro estações
A maioria das obras não foi vista no Brasil. Além de “Meu limão” (leia abaixo) e “O mágico”, há, entre outras, “Beleza pura” (2006), “Dancing” (2007) e o conjunto de quatro telas “Gamboa seasons” (2010), pintado para uma exposição na Fundação Beyeler, em Basel, na Suíça. Ela, que sempre quis fazer uma série “quatro estações”, tema tradicional na arte, exultou quando o diretor da fundação lhe pediu algo especial. “Agora é o meu momento”, pensou, esbarrando, no entanto, numa espécie de impossibilidade.
— A ideia da mudança das temperaturas sempre me estimulou, mas percebi que era uma coisa mais da minha imaginação, apesar de passar temporadas longas fora e vivenciar estações variadas. Então me baseei na minha experiência no Rio. Em vez de mudanças de estação, fiz variações de calor — conta.
Participante da mítica exposição “Como vai você, Geração 80?”, em 1984, no Parque Lage, uma celebração da pintura após a efervescência da arte conceitual no país nos anos 1960 e 70, Beatriz foi aos poucos agregando outros meios em seu trabalho: em 1996, as gravuras; em 2003, as colagens e peças para arquiteturas específicas, como painéis para a loja da editora Taschen em Nova York ou o metrô de Londres; e, no ano seguinte, objetos tridimensionais.
Um deles, “Gamboa I”, é certamente um destaque, pelo encantamento que produz. São cinco móbiles, com miçangas, flores de tecido, colagens com espelhinhos, contas “e o que mais o Sérgio encontrar na Saara”. Sérgio Faria, ex-colaborador da carnavalesca Rosa Magalhães, encontrou bastante coisa, e, a partir de um desenho de Beatriz, ele a mãe da artista, a historiadora da arte Glauce Milhazes, montaram a obra, que ocupa a Sala dos Archeiros, com luz natural entrando pela cúpula.
Como muitas outras obras, o “Gamboa I” tem uma história por trás. O primeiro móbile que fez foi um cenário para o espetáculo “Tempo de verão”, da irmã, a coreógrafa Marcia Milhazes, e passou a ser assediada por curadores.
— Vários quiseram levar a peça para exposições — conta Beatriz. — Mas disse que não, ela foi feita em outro contexto.
Finalmente, a artista concordou em criar um para a bienal Prospect.1, em Nova Orleans. “Gamboa” percorreu exposições em Nova York, Basel e Lisboa, e hoje está numa coleção particular em Berlim.
— Antes, eu era uma pintora fazendo cenários. Agora, os cenários começam a dialogar com meu universo de arte — diz.
O universo de arte de Beatriz se amplia. A artista, que pratica musculação para poder enfrentar o embate da pintura (“é onde dispendo mais energia”), está desenvolvendo sua primeira peça-escultórica, na mesma Durham Press onde imprime suas gravuras, na Pensilvânia. A peça, em grande escala, será em acrílico e alguns metais pintados, formando volumes físicos isolados que dialogam entre si, com os mesmos motivos recorrentes em suas telas.
Filme e livro em 2014
Este ano, Beatriz vai mostrar pela primeira vez a escultura. Ela estará ao lado de de pinturas recentes na exposição que fará em novembro na Fortes Vilaça, em São Paulo, sua galeria brasileira (ela trabalha também com galerias em Londres, Nova York e Berlim). Em setembro de 2014, abre uma mostra panorâmica no novíssimo Pérez Art Museum Miami, museu de arte moderna na cidade projetado pelos arquitetos suíços Herzog & de Meuron, que será inaugurado em dezembro deste ano. Também em 2014, estão previstos os lançamentos de um livro sobre sua obra pela Taschen e um filme de José Henrique Fonseca (“Um épico”, brinca ela, devido à produção arrastada, “culpa” da agenda lotada). A tal agenda lotada, comum a um pequeno grupo de artistas internacionalizados da sua geração, como Adriana Varejão e Vik Muniz, e que faz suas exposições serem bastante espaçadas no Brasil, é explicada por ela de forma muito simples:
— O Brasil é só um ponto a mais no circuito internacional. às vezes, falando isso, você parece meio pedante, mas a minha realidade é essa, não tenho como fazer diferente. Até porque sou muito cuidadosa com o que faço. Não faço qualquer mostra. Aqui, por exemplo. Já que vamos fazer, tem que ser a melhor.