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julho 19, 2013
O Dragão e os espaços degradados por Érico Firmo, O Povo
O Dragão e os espaços degradados
Matéria de Érico Firmo originalmente publicada no jornal O Povo em 16 de julho de 2013.
A grandiloquência arquitetônica como política de Estado costuma trazer em seu bojo, mundo afora, o argumento de requalificação dos locais onde os megaequipamentos são instalados. Há aí duas premissas falsas para iludir o populacho: 1) nem é preciso colocar um mondrongo no meio de comunidades degradadas para promover a recuperação desses espaços; 2) nem é verdade que a instalação de uma estrutura gigantesca garante, por si só, a requalificação urbanística. Pode, sim, ajudar, mas se houver trabalho e estratégia direcionados com tal fim. Não há milagre. O Dragão do Mar – com ares de decrépito aos 14 anos – trouxe a promessa de recuperação daquele histórico pedaço da Praia de Iracema. A ideia era transformar aquilo ali num polo criativo. Nunca chegou a se concretizar. Boates se instalaram, mas poucas sobrevivem. Ao invés de atrair ateliês e galerias, o Dragão parece ter servido para afastá-los. O último a resistir do grupo que chegou ainda antes do centro cultural foi Zé Tarcísio. Hoje, a marca maior do entorno do que já foi chamado de segundo maior centro cultural do Brasil é a feira informal que ocupa indevidamente calçadas e rua, representa riscos aos próprios comerciantes e clientes e que, gestão após outra, a Prefeitura não consegue solucionar. A virada anunciada para a cultura está perto de completar aniversário de um ano com aparência de giro de 360º: permanece praticamente no lugar de onde saiu. Paulo Linhares deu até uma boa sacudida na programação e anunciou interessante pacote de obras – cujos resultados ainda são aguardados. Mas o mais importante é que o Dragão não existe isolado de seu contexto. Ao invés de requalificar o entorno, o centro se tornou parte da deterioração. O terceiro assassinato naqueles arredores em menos de um mês é sintoma da tragédia que é da cultura, da política e da cidade.
Construído sob polêmica e a desconfiança de estar em marcha um elefante branco, o Dragão transformou a cena cultural na virada do século, mas não resistiu ao descaso na gestão aliado ao entorno precarizado historicamente. Não é possível a falada requalificação se não houver melhora das condições de vida e moradia da população local – notadamente o Poço da Draga. Escondida atrás da antiga alfândega, a comunidade pobre só deixa de ser invisível para o conjunto da cidade quando é responsabilizada pelos crimes que ali acontecem. Jamais foi integrada à biblioteca pública ali perto. Não foi levada em conta na instalação do Dragão e até houve tentativa de removê-la na época em que se pretendia instalar um centro de eventos dentro do mar.
Enquanto os habitantes das redondezas, sobretudo em contexto de exclusão e contrastes sociais e econômicos, forem considerados pedaços apartados de megaempreendimentos, promessas de requalificação permanecerão palavras ao vento. Quanto ao Dragão, recuperar usos e espaços não basta e nem mesmo é o principal. É imperativo haver melhoria das condições de vida no local, garantir acesso a serviços públicos de qualidade e fazer com que a comunidade seja e se sinta parte.
Construir equipamento ou promover evento não é passe de mágica para requalificação urbana. A cada zona portuária de Barcelona - paradigma de soerguimento nas Olimpíadas de 1992 - há milhares de fracassos. Separados por uma avenida, hoje Caixa Cultural e Centro Dragão do Mar não constituem um todo integrado. Estão apartados pelo medo e pela deterioração. Quando e se o aquário sair, será igualmente incapaz de transformar o espaço se não houver ênfase, estratégia e trabalho nessa direção. Corre o risco de ser outro pedaço apartado num conjunto de abandono salpicado de velhas e novas joias do poder público, cercadas de miséria e degradação por todos os lados.