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julho 10, 2013
MAM de São Paulo revê obra de escultora surrealista por Audrey Furlaneto, O Globo
MAM de São Paulo revê obra de escultora surrealista
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no jornal O Globo em 10 de julho de 2013.
Com 30 peças, exposição é uma das maiores em torno de Maria Martins, artista reconhecida tardiamente
Maria Martins - Metamorfoses, Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM SP - 11/07/2013 a 15/09/2013
RIO - Para a renomada crítica inglesa Dawn Ades, suas peças pareceram, à primeira vista, “fortes e estranhas”. O escritor surrealista André Breton via em sua obra “vozes imemoriais”. Houve quem escrevesse também que sua escultura era de um “barroco assustador”. Maria Martins (1894-1973) foi prontamente aplaudida pela crítica internacional e pela vanguarda da arte fora de seu país natal. Aqui, por outro lado, viu o crítico Mário Pedrosa escrever, com ironia, que sua obra era “desesperado capricho”.
Demorou, enfim, para que tivesse reconhecimento no Brasil. Demorou tanto que as exposições em torno de sua obra foram poucas. Antes de “Maria Martins: Metamorfoses” — retrospectiva que o MAM de São Paulo abre hoje, às 19h, para convidados — sua última grande mostra institucional foi em 1997 (há 16 anos, na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, também em São Paulo). Os mais importantes livros sobre a artista também tardaram — surgiram no fim dos anos 2000.
O intervalo entre as exposições é muito longo dado o porte da artista: uma das mais importantes do país, ficou internacionalmente conhecida como “a escultora do surrealismo”. A exposição do MAM-SP reúne agora 30 esculturas dela, além de gravuras e escritos da mineira. O número de obras da mostra é alto, levando-se em conta que a produção de Maria não deve ultrapassar 200 peças. Boa parte delas vem de colecionadores privados (Jean Boghici é o maior deles, dono de 20 esculturas da artista) e de museus americanos (as instituições dos EUA têm mais obras da artista do que as brasileiras).
Isso é resultado justamente de seu prestígio internacional e do fato de ter construído a carreira fora do Brasil. Ela deixou o país nos anos 1920, casou-se na Europa com o diplomata Carlos Martins e só voltou em 1950, quando a arte nacional, então, valia-se sobretudo de formas construtivas. Maria, não: ela fabricou metamorfoses, corpos estranhos que parecem ora animais, ora vegetais, contorcem-se a partir do chão e explodem disformes, delirantes.
— Ela voltou ao país com essas esculturas, que falavam da natureza ou muito abertamente de um feminino, da vulva, do desejo, que são temas complicados até hoje. As pessoas prefeririam que as mulheres não dissessem que têm desejo — diz a curadora da mostra Veronica Stigger, estudiosa da artista.
Para ela, a grande metamorfose (que conduz sua curadoria) da obra da artista se deu em 1943, ano em que teve sua terceira individual, na Valentine Gallery, em Nova York — lá, estudou escultura com Jacques Lipchitz (1891-1973), conheceu surrealistas e deu início à relação com Marcel Duchamp (1887-1968), de quem foi musa e amante.
— Antes disso, ela trabalhava temas oriundos do universo cristão, como Cristo, São Francisco, e ainda dentro de uma representação mais convencional. Na série Amazônia, a figura humana vai aparecer embrenhada num emaranhado de galhos, na selva. Há uma transformação da forma — diz a curadora.
Da emblemática série, composta de oito esculturas, o MAM conseguiu reunir e vai mostrar cinco exemplares. Estes são expostos logo no primeiro núcleo (intitulado “Trópicos”) da mostra. Lá também estará “N’oublies pas que je viens des tropiques” (1945). O título da peça soa como uma espécie de conselho aos críticos: “Não te esqueças de que eu venho dos trópicos”. Ironicamente, foi nos trópicos onde ela encontrou menos aceitação da crítica.
Para outra especialista em Maria, Graça Ramos, “a aceitação só vem no momento em que começam a existir poéticas contemporâneas”. Graça é autora de “Escultora dos trópicos” (editora Artviva), fruto de uma tese de doutorado de mais de 500 páginas — lançado em 2009, trata-se de um dos mais importantes livros sobre a artista, ao lado de “Maria” (Cosac Naify), de 2010.
— Ela esteve durante muito tempo no lusco-fusco. Em 1956, tem uma individual. Depois, só em 1997, com a exposição na galeria de Jean Boghici, no Rio (em seguida, levada à Fundação Maria Luisa e Oscar Americano). Essa mostra dá origem a “The surrealist sculpture of Maria Martins”, na André Emmerich Gallery, em Nova York. Então, Maria ressurge para o mundo — diz Graça.
Num primeiro momento, completa, renasce como “a musa de Duchamp”. Sua tese, em caminho oposto, queria reforçar a potência de Maria como artista. Na mesma época, a escultora ganhou uma sala na Bienal de São Paulo de 1998. Mais recentemente, em 2012, a Documenta de Kassel, uma das mais relevantes exposições de arte do mundo, também destinou uma sala à escultora.
O mercado, por sua vez, se vale desse momento. Uma obra pequena de Maria, diz o marchand Jones Bergamin, da Bolsa de Artes, sai por R$ 500 mil. As maiores, de um metro, são vendidas a R$ 3 milhões “com facilidade”.
— Brecheret ainda é o escultor mais valorizado do país, mas Maria já se aproxima dele — avalia Bergamin.
Para Veronica Stigger, Maria está distante de ser unânime (“Ainda se encontra gente que não é totalmente pró Maria Martins, por ela se exibir tão abertamente”, diz). Por outro lado, sua obra vive “um momento de reavaliação”.
— Fiz questão de, na exposição, mostrar como a obra de Maria Martins está em sintonia com todo um pensamento brasileiro moderno, e não só modernista, da forma como formação incessante — diz a curadora.