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maio 22, 2013
Salão de Abril: Seis propostas, O Povo
Seis propostas
Matéria originalmente publicada no jornal O Povo, em 20 de maio de 2013.
64º Salão de Abril - Inscrições
Na semana em que artistas da Cidade se reúnem para avaliar o Salão de Abril, o Vida & Arte convida alguns para pensar e escrever propostas para o evento
1 Enrico Rocha
Artista, educador e mestre em artes visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
Há muito se discute saídas para o Salão de Abril. Poderia ser uma exposição panorâmica, fruto de uma pesquisa curatorial sobre a produção de arte atual. Poderia ser um programa de bolsas ou residências que mobilizasse a produção e promovesse intercâmbios. Poderia ser um conjunto de ações envolvendo exposições, seminários, intervenções etc. Enfim, poderia ter muitos formatos e continuaria a correr o risco de não promover a relação que nos interessa entre a produção de arte e a cidade, pois essa relação não se conquista em uma ação isolada.
Por isso, considero mais urgente começarmos a desenvolver políticas públicas para a cidade que contemplem de modo articulado um programa de arte-educação nas escolas e instituições culturais; programas regulares e complementares de formação em artes; um circuito de instituições que mobilize sistematicamente a produção, promova a sua circulação e sua crítica; programas de interlocução com a produção de arte de outras cidades; enfim, um sistema que seja capaz de comprometer artistas e qualquer cidadão com a experiência de invenção estética, de si e do mundo, que é própria à arte.
Para tanto, precisamos convencer os políticos de que essa experiência é fundamental e estratégica para a conquista da cidade que desejamos viver. Refiro-me aos políticos que ocupam cargos no poder público e, por essa razão, têm obrigação de pensar essas questões, mas também aos políticos que somos, essencialmente, todos nós.
2 Yuri Firmeza
Artista visual e professor do Instituto de Cultura e Arte, da Universidade Federal do Ceará
Do Indo-Europeu, wer significa dobrar. Em Latim, versus – que, em tantas metáforas, sinaliza o arado. Portanto, preparar o terreno. Versus habita, igualmente, o conversar. Versar com, versar junto. Não há como pensar políticas públicas, para além do clientelismo e da politicagem, que desconsidere sua dimensão participativa. Ou seja, a criação de espaços de diálogo entre a sociedade e o poder público tanto na elaboração das políticas – o que engloba pensar o terreno – quanto no acompanhamento das ações implementadas. Projetos pensados à longo prazo e previstos no plano municipal da cultura que não subsistam acuados a celeridade dos eventos e tampouco do mandato político. O Salão moribundo – e não sou eu que declaro sua falência, mas o próprio formato deste Salão – é apenas sintoma desta paisagem árida. Não há, na agenda da Secretaria, um programa para a cultura. Há eventos esporádicos e editais – atrasados e não pagos. Afora isto, o que há? Seminários que pensem o futuro do Salão? Acompanho as prospecções do futuro deste salão há pelo menos dez anos. Constam em sua programação como mea culpa e esperança. Mas, enquanto o futuro não chega é o presente que se desarticula. Ademais, é de salão e editais que sobrevivem as políticas públicas para a cultura? Que outros espaços e projetos estão sendo ativados? Há conversas ou a retórica da inclusão amortiza as diferenças?
3 André Parente
Artista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Em 1976 participei do Salão de Abril. Tentei inscrever fotografias, filmes e instalação, mas não eram categorias aceitas. Consegui inscrever uma monotipia e uma escultura. Ganhei o 2º lugar, não me recordo em que categoria.
Contente da vida (era em algum espaço meio abandonado no Passeio Público), fui ver a exposição, e me informaram que só havia um diploma. Animado, perguntei quantas inscrições teriam havido na categoria em que fui “premiado”. Uma funcionária olhou para mim com um sorriso sarcástico e impaciente como quem me dissesse nas entrelinhas “meu filho, não se anime” e me lascou: “só dois mesmo”. Voltei para casa desolado com meu trabalho e meu diploma. Durante os próximos dois anos, cada vez que alguém falava de Salão de Abril, eu contava a história como se fosse uma piada.
Em 1978, realizei a minha primeira exposição solo numa galeria privada, a Galeria Crédimus. Era uma exposição Multimídia, contendo monotipias, fotografias, filmes super 8, poesia visual e uma instalação intitulada Disciplina (uma gaiola de dois metros de altura por 1,5 metros de largura contendo um terno pendurado num cabide). Era uma forma de afirmação contra a caretice de então. Desde então, eu não soube mais de Salão de Abril.
Há coisa de uns cinco anos, voltei a Fortaleza e eis que vejo um Salão de Abril renovado, com exposição bacana, fotografias, filmes, instalações, gravuras, desenhos, pinturas, exatamente o Salão que eu gostaria de ter participado, só que 30 anos depois! O que teria acontecido para renovarem o Salão em um momento em que os salões, mesmo o nacional, já haviam entrado em declínio ?
Voltei em Fortaleza ano passado e fiquei chocado com as notícias da cena cearense: o BNB, espaço mais experimental da cidade nos últimos cinco anos ia perder seu espaço expositivo; o Alpendre estava fechando as portas; rumores corriam de que a Vila das Artes estava ameaçando quanto a suas verbas, a onda agora era investir no Dragão; já não se falava mais de Salão de Abril. Todos nós estamos de acordo que a cena das artes visuais de Fortaleza vive um momento de grande potência, mas por outro lado, institucionalmente falando, há uma desproporção enorme: a cena é frágil demais, nenhuma política pública continuada e estável.
4 Aterlane Martins
Historiador, professor do IFCE e coordenador de Ação Educativa do Salão de Abril 2013
Na contramão do que já foi dito, não reconheço o Salão de Abril como uma instituição caduca ou moribunda, talvez velha, sim. Mas de uma velhice calcada no acúmulo da experiência. É diante desta que podemos refletir, criticar, propor, revisar e reorientar.
A perspectiva da duração longa ou da continuidade espaço-temporal, como seja preferido compreender, é essencial para o que penso como proposição ao Salão de Abril: o aspecto educativo.
Educação aqui seja entendida na perspectiva freiriana e suas releituras consistentes, do que promove a autonomia, a liberdade e o desenvolvimento social.
O Salão tem experimentado de modo qualificado o desenvolvimento de ações educativas que priorizam a arte como elemento vetor. De uns tempos para cá, ações levadas a cabo nos terminais urbanos, em presídios, praças ou nas galerias de exposição, possibilitaram ao público mais diverso a fruição da arte – coisa rara em nossa cidade.
Profissionais e programas educativos qualificados, como se vê em tantas mostras Brasil e mundo afora, bem podem contribuir com a sanidade desta instituição septuagenária. Porém, assim como a arte, a prática educativa demanda tempo e persistência para ver seus frutos germinarem.
5 Carolina Ruoso
Doutoranda em História da Arte na Universidade de Paris 1 Panthèon-Sorbonne
Pensando o Salão de Abril para o século XXI destaco 7 propostas. Gestão: a Secultfor deve criar uma coordenadoria especialmente para esta instituição sem paredes. Que criará um Conselho Consultivo para que seja elaborado um plano diretor. Este incluirá no seu programa uma equipe de Ação Educativa e uma equipe de Pesquisa. Produzindo registros, construindo uma base de dados, tratando a documentação e elaborando materiais de mediação em arte contemporânea. Proponho que o Formato seja elaborado a partir da noção de artistas-curadores. Os artistas selecionados para a residência artística, elaborarão com o Comitê Curador um projeto coletivo de exposição: resultado de uma experiência alternada entre trabalho de campo e reuniões de orientação. Este evento é um atrativo cultural que fará Produtos: um catálogo com artigos de críticos e pesquisadores, um documentário de arte, postais...
6 Beatriz Furtado
Pesquisadora e professora do Instituto de Cultura e Arte, da Universidade Federal do Ceará
O texto do Yuri Firmeza sobre o Salão de Abril expressa, sobretudo, um movimento de resistência. Em meio ao silêncio, ao comedimento e a apatia, o artista resolve implodir um circuito carcomido, como já o fizera antes, por outras vias. Dessa vez, o release veio assinado pelo próprio punho e se endereçava ao modo do poder público lidar com a cultura, desde sempre.
O fato é que nenhuma gestão, nenhuma, conseguiu reverter, minimamente, a situação de miséria absoluta da área da cultura. Nunca foi destinado e, efetivamente, executado, o orçamento previsto para a Cultura. A prova dos nove dessa conta, muitas vezes escamoteada por gastos com mega-eventos, é que não temos um só equipamento destinado às artes no município de Fortaleza.
Não há um teatro municipal; um cinema público; um museu da história da cidade; uma casa para música; um sala de espetáculos para dança; um museu de arte; uma casa da fotografia. Não temos uma biblioteca que seja capaz de atender uma população de quase três milhões de pessoas. E não é por falta de projetos, inclusive já pagos e amarelando nas gavetas municipais.
O Salão de Abril é feito a toque de caixa para cumprir um calendário. O prédio da galeria Antônio Bandeira, que abrigou no mais das vezes o Salão, é um desprezo ao nome de um dos pintores mais importantes do modernismo brasileiro.
Ou se cria (1) uma instituição séria, com (2) dotação orçamentária, com (3) corpo técnico estável, com (4) curadores/diretores com mandatos definidos, (5) todos concursados, para acabar com os vícios dos eternos chapas brancas; (6) se cria prédio/museu que abrigue não apenas o Salão, em abril, mas para atividades expositivas/educativas durante todo o ano, ou será sempre assim: cairemos, todos, na mesma armadilha do fazer o que é possível e de qualquer jeito. E, o que é pior, clamando pelo consenso da mediocridade.