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março 5, 2013
Autorretrato como mestiça por Paula Alzugaray, Istoé
Autorretrato como mestiça
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé em 31 de agosto de 2012.
Chineses e índios nativos brasileiros convivem nos trabalhos da artista carioca Adriana Varejão, que ganha exposição panorâmica no MAM-SP
Adriana Varejão - Histórias às margens, MAM, São Paulo, SP - 04/09/2012 a 16/12/2012
Três autorretratos de Adriana Varejão pontuam a exposição “Histórias às Margens”, no MAM–SP, que traça um panorama de 20 anos de trabalho da artista carioca. Na primeira sala, no óleo sobre tela “A Chinesa” (1992) ela se autorrepresenta como uma mulher oriental, com tatuagens feitas com pincel e com faca; na última sala, Adriana aparece como índia em pintura encomendada pelo curador Adriano Pedrosa especialmente para esta exposição. Em “Testemunha Ocular” (1997), tríptico posicionado na terceira sala da exposição, a artista encarna uma índia, uma mulata e uma mulher portuguesa. Os retratos personificam a mestiçagem presente na obra dessa artista que impressiona e encanta ao trazer o barroco para a cena contemporânea.
“O barroco mineiro é uma arte capaz de absorver qualquer coisa, que se presta à miscigenação. Isso ocorre por questões políticas, ligadas à contrarreforma: é uma arte muito voltada à persuasão”, diz Adriana, que quando começou a pintar, nos anos 1980, descobriu o improvável: a influência da China no barroco de Minas Gerais. Na catedral de Mariana, encontrou um painel pintado em dourado e vermelho com motivos chineses; em Congonhas, descobriu dragões sustentando lustres. Mas foi na Igreja São Francisco de Assis, em Ouro Preto, que encontrou o grande motivo do seu trabalho: uma pintura sobre madeira, à moda de azulejo. Dessa pintura ilusionista, que se fazia passar por azulejaria, Adriana Varejão inventou sua marca inconfundível.
Do barroco, Adriana se apropriou da azulejaria, dos tons sombreados da pintura a óleo, da dramaticidade. Mas, acima de tudo, aprendeu a seduzir. Assim como a arte barroca, sua arte tem um estilo teatral e exuberante, com um apelo visual que muito cedo atraiu a atenção do circuito internacional. Aos 25 anos, participou de uma importante exposição no Stedelijk Museum, em Amsterdã, que apresentava a nova arte contemporânea do Brasil, da Argentina e do Uruguai para a Europa. De lá para cá, participou de dezenas de importantes mostras e bienais internacionais. Até que, em 2011, sua tela “Paredes com Incisões à la Fontana” (2000) foi vendida por R$ 3 milhões em um leilão da Christie’s, em Londres, superando o recorde de Beatriz Milhazes. “Senti mais orgulho de a Tate adquirir minha obra, em 2000”, garante Adriana, que foi a primeira brasileira viva a ter uma obra adquirida pela coleção da Tate Modern, de Londres. “Acho muito interessante que o Brasil seja o único país onde os três recordes de leilão são mulheres. Isso é extremamente raro, o mercado em geral é muito conservador e olha para a pintura feita por homens”, pondera o curador Adriano Pedrosa, referindo-se a Adriana Varejão, Beatriz Milhazes e Tarsila do Amaral.
A obra da coleção da Tate, “Azulejaria Verde em Carne Viva” (2000), está entre as 40 pinturas reunidas no MAM – a maioria delas nunca exposta no Brasil. “Acho que essa é a primeira exposição em que as pessoas no Brasil vão realmente conhecer o meu trabalho, para além dos Azulejões”, diz a artista, referindo-se à obra exibida em caráter permanente no Centro Inhotim, em Minas Gerais. Nesse rico panorama, fica claro que a pintura de Adriana Varejão é composta de uma técnica tão mestiça quanto a cultura brasileira que ela representa em seu trabalho. Misturados à tinta a óleo, há elementos como alumínio, gesso, resina, poliuretano e até agulhas de acupuntura.
“Não sou uma purista. Misturo muito”, afirma a Adriana, que usou óleo e gesso para realizar a tela “Panorama da Guanabara” ao modo da pintura chinesa, retratando um Rio imaginário a partir de seu ateliê, situado ao lado da Vista Chinesa, na Floresta da Tijuca.