|
março 3, 2013
Museu de Arte do Rio abre as portas na próxima sexta-feira com quatro exposições simultâneas por Audrey Furlaneto, O Globo
Museu de Arte do Rio abre as portas na próxima sexta-feira com quatro exposições simultâneas
Rio de Imagens: Uma Paisagem em Construção
O colecionador: arte brasileira e internacional na Coleção Boghici
Vontade Construtiva na Coleção Fadel
O Abrigo e o Terreno: Arte e Sociedade no Brasil I
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no jornal O Globo em 24 de fevereiro de 2013.
RIO - Um museu, como define a Unesco, deve coletar e conservar bens culturais, organizar mostras, produzir memória, publicar conteúdo e educar. Nas palavras do curador Paulo Herkenhoff, a definição ganha alguma poesia — um museu, para ele, deve “abrigar o imaginário” dos indivíduos. É para esta direção que deve correr o MAR, o Museu de Arte do Rio, do qual Herkenhoff é um dos mentores e que abre as portas na próxima sexta-feira, na Praça Mauá.
Orçado em R$ 76 milhões (R$ 62 milhões da Prefeitura do Rio, que tem a Fundação Roberto Marinho como parceira do projeto), o MAR é um dos pilares da revitalização da Zona Portuária. E tornou-se um dos aparatos culturais mais aguardados do Rio (depois da Cidade das Artes) desde o ano passado, quando sua inauguração foi adiada de junho para setembro, depois para novembro e, enfim, para março. Agora, a abertura terá de atender à expectativa criada: nos dias 1º (para convidados) e 5 (para o público), o museu receberá os visitantes com quatro mostras simultâneas, uma em cada andar do Palacete Dom João VI.
O edifício é um dos três que formam o complexo do MAR. No palacete, de estilo eclético, ficarão as mostras. Ao lado dele, no prédio modernista que abrigava o hospital da Polícia Civil ficará a sede do programa educativo do museu, a chamada Escola do Olhar, com 11 salas de aula. No espaço do extinto terminal rodoviário do Rio, estarão a área técnica do museu e a bilheteria.
Os arquitetos Thiago Bernardes, Paulo Jacobsen e Bernardo Jacobsen desenharam uma cobertura que une os dois edifícios mais altos (o Palacete e a Escola do Olhar) com uma espécie de onda de concreto pairando no topo. A integração dos dois é uma forma de responder a um dos princípios do conceito de museu, o de educar. A Escola do Olhar é tão MAR quanto o Palacete onde estão as exposições de fato. E o público deverá acessar as mostras sempre pelo prédio da escola: lá, subirá de elevador até o último andar, para acessar a passarela que dá acesso ao edifício expositivo. E as mostras, assim, começam a ser vistas de cima para baixo.
— Um museu se configura pelo processo de colecionar, mas todas as pontas devem estar conectadas, da coleção à educação — diz o curador Herkenhoff. — Isso gera a dúvida: trata-se de um museu com uma escola ao lado ou de uma escola com um museu ao lado? É uma pergunta que nunca será respondida, para o bem do visitante.
Nos 13.500 metros quadrados de área construída, o MAR tentará provar que pode educar sem ser chato e atrair público sem ser superficial. As quatro exposições inaugurais contemplam da História da cidade a questões da arte.
Na primeira mostra a que o público terá acesso, “Rio de imagens”, 400 obras foram reunidas pelo curador Carlos Martins a fim de contar a História da cidade. De cartões-postais e cartazes publicitários do Rio do início do século XX a um vídeo que reproduz a Avenida Central, a exposição passa por desenhos e gravuras do Rio, assinados por Lasar Segall, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, até chegar à arte contemporânea de Marcos Chaves e Thiago Rocha Pitta.
De aleijadinho A oiticica
Um andar abaixo e, portanto, na segunda mostra, é o olhar de um grande colecionador que guia o visitante. Ali, a Coleção Jean Boghici (leia mais na página 3) é mostrada em 136 obras históricas da arte brasileira, que dialogam com artistas estrangeiros. Depois de “O colecionador”, o espectador conhece, no primeiro andar, outro acervo, desta vez o de Sérgio Fadel, em recorte criado por Herkenhoff, que quer cunhar a existência de uma “segunda geração construtivista no país”. Na mostra, convivem 251 obras de Hélio Oiticica, Lygia Clark, Sacilotto, Mira Schendel e até uma escultura de Aleijadinho.
A arte contemporânea fica no térreo, em “O abrigo e o terreno”. Nesta, Herkenhoff dividiu a curadoria com a jovem Clarissa Diniz, para selecionar trabalhos de arte que abordem a questão da moradia. Estão lá obras do grupo Dulcineia Catadora, instalações de Ernesto Neto e até um carro alegórico do coletivo Opavivará!.
Cerca de 90% das exposições serão assinadas pelo próprio curador do Museu de Arte do Rio, que já integrou o corpo curatorial do MoMA, de Nova York, e da Documenta 9, de Kassel, além de ter assinado uma das Bienais de São Paulo mais respeitadas da década de 1990 (conhecida como a Bienal da Antropofagia, de 1998).
O MAR, a princípio, não deve receber exposições produzidas por outras instituições — muito embora já tenha oferta de uma grande mostra de Picasso. Curadores brasileiros, por outro lado, serão convidados a conceber exibições de artistas que conheçam melhor. Uma mostra da paraense Berna Reale, por exemplo, está nos planos e deverá ter outro curador que não Paulo Herkenhoff.
— A ideia é prever as exposições com dois anos de antecedência, como fazem instituições internacionais.
Em 2014, o curador já planeja organizar uma mostra com o tema liberdade, para refletir sobre os 50 anos do golpe de 1964. Em 2016, ano das Olimpíadas, o museu deve abordar o corpo humano.
A menina dos olhos de Herkenhoff, porém, não é a programação, mas a coleção do MAR. Se inicialmente foi pensada como um museu sem acervo, para abrigar coleções particulares do Rio, hoje a instituição segue o caminho oposto: tem uma coleção que chega a 3 mil itens, boa parte fruto de doações.
Os herdeiros da artista franco-americana Louise Bourgeois, por exemplo, doaram uma escultura e um trabalho em papel. O espanhol Santiago Calatrava, arquiteto do futuro Museu do Amanhã, que está sendo erguido ali ao lado, doou 1.200 aquarelas feitas por ele. E o próprio curador passou madrugadas a fio navegando no site de leilões eBay em busca de cartões-postais e outras imagens curiosas do Rio no início do século XX.
— O MAR não é só um museu municipal, mas um museu que vai colecionar — defende Herkenhoff.
Meta ambiciosa
A instituição abre as portas com uma meta ambiciosa: receber 200 mil visitantes por ano, 50% deles estudantes da rede pública. Além da escola e das salas de exposição, o complexo terá um auditório, ainda em obras, café e restaurante no terraço, com vista para toda a Zona Portuária.
Por enquanto, porém, a paisagem pena com um enorme canteiro de obras do projeto Porto Maravilha diante do museu. Buracos, guindastes e tapumes cercam boa parte do complexo.
— O MAR é o primeiro grande equipamento público que entregamos na Zona Portuária — diz o prefeito Eduardo Paes. — Faltava ao Rio um museu com essas características, que permitisse que grandes coleções de arte, como as de Sérgio Fadel e Jean Boghici, chegassem ao público. E a Escola do Olhar é a primeira escola pública de arte do Rio.
A administração do MAR seguirá o mesmo modelo adotado pelo Museu da Língua Portuguesa e pelo Museu do Futebol: a gestão ficará a cargo de uma OS (Organização Social). O Instituto Odeon, criado em 1998 em Minas Gerais e que gere a Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, venceu a licitação e terá R$ 12 milhões por ano para manter o museu. O contrato vale até 2014, podendo ser prorrogado.
— Trata-se de um museu da cidade, e esses R$ 12 milhões têm que trazer um resultado social à altura do que esse dinheiro traria se fosse aplicado em outros serviços dedicados à população — defende Hugo Barreto, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho. — Não podemos esperar que o público venha, nós vamos buscá-lo. O MAR deve correr para o Rio.