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janeiro 30, 2013
Morre mestre Walter Zanini por Angélica de Moraes, revista Select
Morre mestre Walter Zanini
Texto de Angélica de Moraes originalmente publicado na revista Select em 29 de janeiro de 2013.
Perdemos um dos nomes fundamentais para a cultura visual brasileira, para a historiografia e a reflexão teórica da artemídia
Uma das maiores personalidades da cultura brasileira, fundou e foi diretor do MAC-USP, além de devolver o prestígio internacional à Bienal de São Paulo
Este mês de janeiro está pesado de mortes. Agora levou Walter Zanini (1925-2013), nosso querido professor Zanini, um dos nomes fundamentais para a cultura visual brasileira, para a historiografia e a reflexão teórica da artemídia. Rigoroso e objetivo ao escrever, Zanini detestava adjetivos e metáforas. Impossível reprimir, no entanto, a idéia de compará-lo a uma daquelas enormes e frondosas árvores que, ao virem ao chão, deixam uma clareira no seu entorno, difícil de ser repovoada pela floresta. Porque Zanini era como um baobá, árvore rara, imensa, sólida. Alta e generosa na sua sombra, que abrigava muitos. Chega de adjetivos, porém. Vamos aos fatos, como o mestre ensinou.
Historiador e crítico de arte, Zanini fundou e foi primeio diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP (1963-1978). Foi no MAC-USP que ele sintonizou o circuito artístico brasileiro com a videoarte e os novos meios, a então denominada arte eletrônica, abrindo espaço também para a livre experimentação artística e para a produção das novas gerações, que exibia na mostras Jovem Arte Contemporânea (JAC) e outras tantas que transformaram o museu em centro de encontro e debate da classe artística.
Zanini foi o nome procurado pela Fundação Bienal para restaurar o prestígio internacional da instituição, fragilizada pelos anos de chumbo da ditadura militar e da censura às obras de arte. Cumprindo à risca o desafio, instituiu e exerceu pela primeira vez no país o conceito de curadoria, fazendo duas bienais antológicas, a 16ª e 17ª edições (1981 e 1983), que inscreveram novamente o evento no calendário mundial de grandes mostras periódicas de arte contemporânea. Criou o conceito de analogia de linguagens para a distribuição das obras no espaço expositivo e desatrelou-a da representação por países, modelo herdado da bienal de Veneza. Tudo isso nessas duas bienais dos anos 1980. Legados tão fortes que alguns, em passado recente, tentaram lhe roubar a primazia dessas atitudes.
Na sua primeira bienal (1981), Zanini trouxe para o âmbito principal das artes visuais as obras realizadas com alguns dos novos meios artísticos da época, como a artexerox, o videotexto e a holografia. Não bastasse isso, foi autor e coordenador da monumental História Geral da Arte no Brasil (Ed. Instituto Walther Moreira Salles, 1983, 2 volumes), o maior esforço historiográfico jamais feito nesse setor e que ocupou equipe de 16 especialistas, entre eles o antropólogo Darcy Ribeiro.
Realizou centenas de exposições e organizou outros tantos catálogos, muitos deles livros de referência incontornável. Sua produção de textos, tanto para as revistas acadêmicas quanto para a imprensa, é extensa e importante, demarcando o exercício de uma crítica baseada em muita pesquisa e método, uma quebra de paradigma na crítica de arte da época, então ainda bastante confinada a conclusões de gabinete e compradrios.
A trajetória desse professor, que conjugava prestígio acadêmico internacional a uma calorosa popularidade entre os alunos, foi bastante singular para a época em que se iniciou. Graduou-se pela Université de Paris VIII em 1956 e obteve doutoramento pela mesma universidade em 1961. Professor titular de História da Arte da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), onde trabalhou até se aposentar, foi antes professor da mesma disciplina na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), onde coordenou uma equipe de professores que incluía nomes como Júlio Plaza e Regina Silveira. Zanini formou gerações de artistas e teóricos que atualmente contribuem de modo decisivo para consolidar a qualidade da produção artística brasileira.
Escreveu diversos livros importantes, entre eles Tendências da Escultura Moderna (Ed. Cultrix, SP, 1971). Foi traduzido para diversos idiomas, especialmente o italiano, o inglês e o francês. Deixa inédito um livro sobre a história da artemídia no Brasil, tarefa que o ocupou obsessivamente até seus últimos dias. Escreveu crítica de arte no jornal O Estado de S. Paulo e para a prestigiosa Leonardo, revista norteamericana de arte e tecnologia.