|
janeiro 26, 2013
A América profunda no Rio de Janeiro, via Casa Daros por Audrey Furlaneto, O Globo
A América profunda no Rio de Janeiro, via Casa Daros
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo em 26 de janeiro de 2013
Com abertura marcada para 23 de março, o centro cultural pretende fazer da arte contemporânea latino-americana a porta de entrada para o Brasil conhecer os seus vizinhos
Foram seis anos de obras e a previsão inicial foi inaugurar em 2008
RIO - Agora vai. Inicialmente prometida para 2008, a Casa Daros será finalmente aberta ao público no dia 23 de março, após seis anos de um ambicioso restauro feito por 250 funcionários, que verteram um prédio de 1866 num amplo espaço para arte e educação. Nessa reta final, o movimento é intenso no casarão de 12 mil metros quadrados em Botafogo.
— Isso aqui é uma obra para o povo brasileiro — diz, animado, o curador suíço Hans-Michael Herzog, que tem a pele avermelhada dos europeus no verão carioca, fala pouco, veste Calvin Klein e passou pelo menos 13 anos visitando, em países da América Latina, os ateliês dos 117 artistas que compõem a coleção Daros Latinamerica.
Com sede em Zurique, na Suíça, são essas 1.200 obras de arte contemporânea adquiridas desde 2000 pela colecionadora suíça Ruth Schmidheiny que vão “abastecer” o novo centro cultural carioca, que na abertura mostrará 75 obras de dez artistas colombianos.
Tudo na Casa Daros foi pensado em minúcias. As paredes das 11 salas de exposição, por exemplo, são reversíveis — para se preservar a estrutura do casarão tombado, novas paredes foram erguidas a um metro de distância das antigas, e algumas têm tratamento para garantir condições climáticas adequadas a obras mais delicadas. O piso de peroba se manteve depois de longo tratamento de recuperação (60% dele é o mesmo de quando a casa foi erguida). Já o telhado foi 70% refeito. As peças das exposições vão entrar por uma espécie de elevador que fica camuflado no piso de uma das grandes salas ou por grandes portas, também invisíveis aos olhos do público.
Se a homérica obra nas instalações foi vastamente explorada pela direção da Casa Daros como um indício do trabalho cuidadoso que pretende fazer no Rio, é para o discurso sobre o conteúdo do prédio que agora se voltam Herzog, o cubano Eugenio Valdés Figueroa (diretor de arte e educação) e a brasileira Isabella Rosado Nunes (diretora-geral).
A Casa Daros, diz seu curador, há de servir como “plataforma para o intercâmbio cultural na América Latina”. Embora venha de longe, Herzog diz já ter visitado tantos países latino-americanos a ponto de poder cravar: “O brasileiro não conhece seus vizinhos.”
— Essa já é uma novidade: o público vai ter oferta de exposições e programas de arte latino-americana. Ninguém sabe quem são os artistas da região. Estamos aqui para mostrar conteúdos desconhecidos. Temos obras brasileiras na coleção, mas isso as pessoas já conhecem. Se você mora no Rio e tem interesse em arte, já viu a produção brasileira — afirma o curador, que até 2011 organizou exposições da coleção na sede em Zurique, hoje uma grande reserva técnica fechada ao público.
Segundo ele, a crise internacional e a aparente imunidade do Brasil não são motivos para que a instituição tenha escolhido o Rio. Herzog defende que a mudança de eixo e o foco na arte produzida em regiões emergentes são “efeitos orgânicos da globalização”.
— Os curadores viajam mais, as bienais são cada vez mais internacionais, e é natural que se pense mais na arte da América Latina. Isso é apenas a ponta do iceberg, e a gente quer se ocupar profundamente das questões latino-americanas — completa ele.
Por “profundamente”, leia-se com aulas, oficinas e encontros entre artistas, curadores e estudantes de arte do Brasil e de países latinos. Já no pacote da exposição inaugural da casa, “Cantos cuentos colombianos”, estão previstas conversas dos dez artistas com o público. Na lista, figuras já consagradas no cenário internacional: Doris Salcedo (que, no Brasil, tem obra em Inhotim), Fernando Arias, José Alejandro Restrepo, Juan Manuel Echavarría, María Fernanda Cardoso, Miguel Ángel Rojas, Nadín Ospina, Oscar Muñoz, Oswaldo Macià e Rosemberg Sandoval.
— A gente sabe que está falando de algo novo, que é arte contemporânea, que não tem tanto público. Por isso queremos que a casa seja um ponto de encontro, seja para tomar um café, ler um livro na biblioteca (com 4.000 volumes sobre arte latino-americana), almoçar... — explica a diretora-geral, Isabella Rosado Nunes.
Para ela, a casa terá de responder à questão: como fazer de uma instituição uma potência de comunicação? A solução, Isabella diz acreditar, pode morar num projeto como o da Daros. Lá, os donos do restaurante Miam Miam terão um café e um restaurante.
— Por conta do preço, pensamos nas duas opções: pode-se tanto tomar um café quanto almoçar — diz ela.
Ingressos a R$ 12
O custo para frequentar a casa foi uma preocupação dos diretores, que não querem espantar o público: os ingressos vão custar R$ 12, a entrada será gratuita às quartas-feiras, e grupos de escolas públicas terão livre acesso.
— Adoro ver como as pessoas entram no CCBB e se sentem à vontade. Você vê as pessoas mais diversas visitando exposições, indo ao cinema, tomando café... — comenta Isabella, para lembrar que a Daros também terá cineclube no auditório (a primeira mostra será dedicada ao cinema colombiano).
Para que os funcionários “saibam receber” o público, antes das inaugurações de mostras todos vão passar por um “mergulho” nas exposições. Cada sala terá um “auxiliar de galeria”, funcionário apto a dar informações sobre as obras em português, inglês e espanhol.
Após “Cantos cuentos colombianos”, que fica em cartaz até agosto, a Daros fará uma individual de Julio Le Parc, argentino radicado em Paris, figura central na arte cinética. A ideia é ter duas grandes mostras por ano. Em paralelo, o setor de educação criará exposições complementares — caso de “Para (saber) escutar”, que acompanha o projeto inaugural mostrando o processo de chegada da Daros ao Rio. Segundo o diretor Eugenio Valdés Figueroa, a casa é fincada na ideia de “saber escutar”.
— Estamos trazendo o respeito pela diferença — diz o cubano. — O Brasil já é um conjunto diverso. O continente é isso exponencialmente multiplicado.