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janeiro 10, 2013
Galerias do país apostam cada vez mais em obras caras, efêmeras e invendáveis por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Galerias do país apostam cada vez mais em obras caras, efêmeras e invendáveis
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada no jornal Folha de S. Paulo, em 2 de janeiro de 2013.
Em 55 segundos, o caos tomou conta da galeria. Motociclistas rodaram a toda velocidade dentro de dois globos da morte presos a estantes cheias de objetos frágeis, de copos de cerveja a vidros de nanquim e tubos de talco.
Leia abaixo: Competição com estrangeiros leva a maior ousadia das galerias
Do lado de fora, Nuno Ramos e Eduardo Climachauska, autores da performance que aconteceu no mês passado na galeria Anita Schwartz, no Rio, dirigiam a equipe de filmagem que penou para registrar cada ângulo do terremoto artificial -uma ação que destruiu em menos de um minuto um trabalho que consumiu meses.
"Foi um Pollock, adorei", disse Ramos, comparando a ação que fez tremer o espaço da Gávea à técnica de pintura do expressionista abstrato norte-americano, que pingava tinta sobre suas telas em gestos bruscos das mãos.
Mas, ao contrário de Pollock, que no final da ação tinha um quadro para vender, o trabalho de Ramos e Climachauska virou ruína. Esse tipo de ação, que investe pesado em obras efêmeras e invendáveis, marcou o cenário das galerias do país no ano que acabou anteontem.
"Tem gente dizendo que eu sou maluca", diz a galerista Anita Schwartz, que investiu R$ 300 mil na performance. "Mas essas ações revelam outro lado do artista. Não é só aquilo que ele vende, mas também aquilo que pensa."
Antes da ação no Rio, Ramos enterrou réplicas em tamanho real das casas onde viveu em enormes poças de lama e barro escavadas no chão de concreto da galeria Celma Albuquerque, em Belo Horizonte, interditando o espaço por meses numa obra que removeu 300 toneladas de entulho da galeria e custou cerca de R$ 400 mil.
"É um projeto que não dá para repetir todo ano, mas a gente encarou porque tem horas que você precisa dar um passo adiante", diz Flávia Albuquerque, diretora da galeria mineira. "Nunca fizemos algo tão dramático."
Em São Paulo, galerias mantiveram esse drama. A Fortes Vilaça ocupou todo o espaço de seu galpão na Barra Funda com uma mega-instalação de Sara Ramo, uma espécie de labirinto de paredes brancas gigantescas.
A Millan deixou Henrique Oliveira transformar seu espaço na Vila Madalena com enormes saliências e reentrân-cias no chão, nas paredes e no teto, como se o prédio derretesse diante do público.
Essa mesma galeria também quebrou o piso do estacionamento para afundar um carro numa cratera de cimento molhado, uma instalação da artista Tatiana Blass.
"São exposições que têm um custo alto", diz Socorro de Andrade Lima, sócia da Millan. "Mas não é uma equação simples e direta. O retorno disso é mostrar que a galeria acredita no trabalho daquele artista. Uma obra sólida só consegue mostrar sua solidez nessas ocasiões."
Sólidas ou não, ações desse tipo se tornaram cada vez mais necessárias para garantir a liquidez de galerias num cenário que se tornou mais competitivo, com a abertura de novas casas que disputam o passe dos nomes de peso.
VIRANDO MUSEU
"Com o boom da arte brasileira, as galerias têm novas demandas, seus espaços precisam ser mais institucionais", diz Ivo Mesquita, diretor da Pinacoteca do Estado. "Galerias estão mais ambiciosas, e o fato de investirem nessas obras complementa o trabalho dos museus."
Mas as casas comerciais, dispostas a despejar dinheiro em ações que aumentam a visibilidade de seus artistas, também acabam expondo a fragilidade dos museus no país, que não conseguem bancar ações tão faraônicas.
"No circuito brasileiro, as galerias estão mais desenvolvidas do que os museus", afirma Marcia Fortes, sócia da Fortes Vilaça, acrescentando que mostras institucionais em galerias não são uma tendência atual. "Isso também faz parte do nosso objetivo e escopo. É representar um artista por inteiro, e não por meros interesses comerciais."
(O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite da galeria Anita Schwartz.)
Competição com estrangeiros leva a maior ousadia das galerias
Investir em obras caras, efêmeras e impossíveis de vender na tentativa de turbinar a carreira de seus artistas deve deixar de ser só uma opção e se tornar em breve quase obrigação para galerias do país que terão de fazer frente à entrada de concorrentes de peso que chegam agora ao mercado nacional.
Enquanto a White Cube, a segunda maior galeria do mundo, abriu no mês passado uma filial em São Paulo, a expectativa é que a norte-americana Gagosian, a casa mais poderosa do planeta, abra um espaço no Rio neste ano, seguida da britânica Alison Jacques, que representa com exclusividade o espólio da artista Lygia Clark.
"Não sinto ainda o impacto da White Cube, mas vejo a consequência de um mercado mais aberto", diz Socorro de Andrade Lima, da galeria Millan. "Com isso, vamos nos reciclando, fazendo mudanças, não só pela competição mas também por demandas dos artistas e da arte."
Luisa Strina, que também investe em mostras de caráter institucional, enxerga esse movimento nos últimos anos como consequência do peso maior que São Paulo vem conquistando no circuito global das artes visuais.
"Tem muitos curadores e instituições de fora vindo para cá", diz a galerista paulistana. "Isso estimula e dá incentivos para o artista. Mesmo que seja difícil vender, a galeria tem a obrigação de fazer esse tipo de mostra."