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novembro 27, 2012
Artistas questionam gestão anunciada pelo novo secretário, Sérgio Sá Leitão por Luiz Felipe Reis, O Globo
Artistas questionam gestão anunciada pelo novo secretário, Sérgio Sá Leitão
Matéria de Luiz Felipe Reis originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 27 de novembro de 2012.
É delicado acumular funções tão distintas. Tenho medo de que a pasta se torne uma secretaria do cinema’, diz o presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio
RIO - Publicada nesta segunda-feira no Segundo Caderno, a reportagem em que o futuro secretário municipal de Cultura, Sérgio Sá Leitão, adianta seu modelo de gestão à frente da pasta gerou repercussão entre a classe artística. Representantes de diversos setores questionaram o “sinal verde” dado pelo prefeito Eduardo Paes para que Sá Leitão acumule a dupla função de presidente da RioFilme e secretário de Cultura. Em outra entrevista concedida ao GLOBO no começo do mês, Sá Leitão argumentava que “não seria uma novidade um secretário acumular funções”. Mas a naturalidade da justificativa não encontra eco.
— Me preocupa ver que o novo secretário é alguém dedicado a um único segmento, o cinema. E com uma visão estritamente mercadológica — diz Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio (APTR). — É delicado acumular funções tão distintas. Tenho medo de que a pasta se torne uma secretaria do cinema. Vejo que ele pretende colocar todas as outras vertentes artísticas como pequenos tentáculos da RioFilme. Fora isso, é assustador ver um olhar da iniciativa privada, com foco direto na lucratividade, dentro de um posto público. Pode ser um tiro no pé.
Sérgio Sá Leitão anunciou que a sua gestão será dividida em dois “guichês”, o primeiro organizado aos moldes da RioFilme — dedicado a projetos que “visem ao lucro” e estejam voltados a um “número expressivo de espectadores” — e o outro direcionado a manifestações de cunho “exclusivamente artístico” e “sem ambições comerciais”. O diretor teatral Enrique Diaz questiona:
— Quais critérios determinarão até onde um projeto tem ambições exclusivamente artísticas ou comerciais? É preciso ser claro e dialogar com a classe. Sou criador e produtor das minhas peças. Quero criar obras provocadoras e que sejam economicamente viáveis. Em qual guichê vou estar? Não quero ser excluído de nenhum.
Acerca da falta de clareza sobre os critérios, a produtora de cinema Mariza Leão acredita que “quem está inserido no mercado sabe enxergar isso”. Ela vê com bons olhos a divisão de “guichês”:
— O cinema precisa de filmes de todos os gêneros. Como a RioFilme é uma distribuidora, é natural que busque filmes com esperança de retorno. Mas é importante para o cinema ter filmes de reflexão. Ao dividir, isso fica bem resolvido.
Nelson Motta também acha “correto separar projetos que têm funções distintas”:
— A função dos projetos comerciais é gerar lucro. Mas é preciso ter espaço para os experimentais.
O artista plástico Roberto Cabot observa um “erro de conceito” no plano de Leitão:
— Não acredito em cultura lucrativa e não-lucrativa. É preciso entender o que queremos que a cultura seja, e qual o papel dela. É perigoso ter critérios econômicos ditando isso. Se você ficar só no que é rentável, a cultura acaba.
E o fundador do Grupo Tá Na Rua, Amir Haddad, concorda:
— Me dá frio na espinha ver um secretário que busca uma “cultura competitiva” — diz. — Parece que diminui a importância da cultura. É urgente pensar em políticas públicas voltadas para as artes que não são regidas pelas leis de mercado. A arte e a cultura sempre foram públicas, depois é que privatizaram. Um gestor precisa ter essa consciência. (Colaborou Catharina Wrede)