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novembro 26, 2012
Seminário repõe discussão sobre a produção de Pablo Picasso por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Seminário repõe discussão sobre a produção de Pablo Picasso
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 26 de novembro de 2012.
'Picasso: Outros Critérios' será realizado até quinta-feira, 29, no Teatro da Aliança Francesa
O quadro Les Demoiselles d'Avignon (1907), de Pablo Picasso (1881-1973), não é apenas considerado o "nascimento do cubismo", como também o marco de uma nova forma de relação entre a arte e a sexualidade "sem precedente na história da pintura". A afirmação da professora da Universidade de Ohio (EUA), Lisa Florman, refere-se ao impacto que foi, no início do século passado, a exibição, em Paris, de uma grande tela em que cinco mulheres do bordel da rua Avignon são retratadas frontalmente e por meio de um estilo provocador, em que se misturam figuras e traços de máscaras africanas e ancestrais.
Desde 1907 e até hoje, Les Demoiselles d'Avignon, que pertence ao acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York, é arrebatadora porque "nenhuma outra pintura moderna nos envolve com imediatismo tão brutal", como escreveu o crítico Leo Steinberg em seu ensaio fundamental O Bordel Filosófico (1972), justamente sobre o quadro do artista espanhol. Não apenas a célebre tela, como outros temas da obra do também criador de Guernica (1937) serão revistos agora no seminário Picasso: Outros Critérios, que ocorrerá entre esta segunda-feira, 26, e quinta-feira, 29, no Teatro da Aliança Francesa.
O evento organizado pelo Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da USP e o Centro Universitário Maria Antonia traz "uma geração renovada de críticos e historiadores da arte", como diz a professora Sônia Salzstein, para reexaminar Picasso e questões do modernismo. Especialistas estrangeiros e brasileiros trarão luz e novidade para temas diversos - e contemporâneos - sobre a produção do artista. A historiadora Lisa Florman, que falará na quinta-feira, 29, sobre a tradição e a inovação em Les Demoiselles d'Avignon no seminário, adianta algumas questões sobre Picasso e sua obra nos trechos da entrevista que concedeu ao Estado.
O teórico e professor Meyer Schapiro considera que "o fenômeno mais extraordinário em toda a história da arte nos últimos séculos" foi o fato de Picasso transitar por estilos, como o cubismo e o neoclassicismo, e resolver, simultaneamente, seus problemas como dois "aspectos de sua personalidade". A sra. concorda com essa ideia?
Lisa Florman - Sim, acredito que a heterogeneidade de Picasso é um dos aspectos mais importantes de sua arte, certamente, o mais influente. Quando Picasso começou a pintar, no fim do século 19 e entrou para o século 20, parecia que todos os artistas desenvolviam um estilo próprio (à la Van Gogh ou Gauguin). Picasso mudou essa ideia. Olhando hoje sua trajetória, há uma completa heterogeneidade de estilos e tipos de trabalhos produzidos a partir do legado de Picasso. A única objeção que faço à afirmação de Schapiro é a de que o artista personalizava seus assuntos. "Diferentes motivos inevitavelmente requerem diferentes modos de expressão", Picasso afirmou em 1923 a Marius de Zayas.
Les Demoiselles d'Avignon será o tema de sua palestra em São Paulo. À luz da análise de Leo Steinberg, quais as novas interpretações e teorias essa obra pode ainda provocar?
Lisa Florman - Penso que nenhuma interpretação vai substituir a de Steinberg. Muitos acadêmicos (incluindo Yve-Alain Bois, que vai falar amanhã) completaram a análise de Steinberg. Em minha fala, vou ressaltar a maneira como Les Demoiselles não foi produzida do nada, mas como uma forte interpretação das últimas banhistas pintadas por Cézanne. Acredito que Demoiselles tem muito de inédito a nos mostrar. É o que caracteriza sua importância, a de ainda gerar discussões. Acredito, ainda, que tem havido algumas interpretações terríveis sobre o quadro nos últimos 20 anos, como, por exemplo, a que imaginou que por Picasso ter usado máscaras africanas sobre os rostos das mulheres, elas teriam sido africanas (apesar de seus corpos rosas) e que isso atestava uma atitude sobre a questão racial na França no início do século passado.
A sra. considera Les Demoiselles d'Avignon a principal obra de Pablo Picasso?
Lisa Florman - Sim. Certamente, Guernica teve um tremendo impacto quando exibida, mas provavelmente mais por seu status político. Outros trabalhos (não pinturas) são extremamente influentes também, como Still Life with Chair Caning, sua primeira colagem, e a obra sobre papelão Guitarra, de 1912, que se apresentaram radicalmente diferentes, com uma aproximação construtiva e escultórica. É preciso ressaltar que Picasso trabalhou muitos meios.
É possível traçar algum paralelo entre a revolução que Picasso desencadeou com Les Demoiselles d'Avignon e a atual arte contemporânea? Acredita ser possível ser revolucionário hoje em dia? Vivemos um momento de transição histórica?
Lisa Florman - É uma boa pergunta, penso que só o tempo dirá. Precisamente, por a arte contemporânea ser tão mais heterogênea e o mundo da arte tão maior do que em 1907, penso que é difícil encontrar uma "revolução" comparável. Não consigo imaginar outro feito. É um pouco mais fácil pensar que a invenção de novos meios terão um impacto de longa-duração na produção artística (como foi a invenção da colagem por Picasso).
Uma das palestras vai traçar um paralelo entre a obra de Picasso e do artista contemporâneo Bruce Nauman a partir do tema o corpo e o grotesco. É possível relacionar outro contemporâneo com o artista moderno?
Lisa Florman - Além dessa rica questão sobre o corpo e o grotesco, outros temas podem também ser explorados, como o interesse contemporâneo pela relação física com a obra de arte (o que é um paralelo específico com Demoiselles); o impacto da colagem, incluindo o uso de materiais banais (até os trabalhos de Lygia Clark e Hélio Oiticica podem ser considerados a partir da perspectiva picassiana). Nossa habilidade de ver ecos de seus trabalhos em criadores recentes é uma das medidas de sua importância no presente. Mas alguns historiadores acreditam que Duchamp tenha sido o maior artista moderno e não posso discordar.
Poderia comentar como se deu sua primeira aproximação com a obra de Pablo Picasso?
Lisa Florman - É um pouco constrangedor dizer que não me lembro como se deu meu primeiro encontro com Picasso. Minha mãe se interessava por arte e sempre me levava aos museus. Minha memória mais viva de um "encontro" com o artista data do meu primeiro ano de graduação, quando li o ensaio de Leo Steinberg intitulado The Algerian Women and Picasso at Large, que está em sua coletânea Other Criteria. Qualquer dúvida que tive sobre ser historiadora de arte desapareceu nesse momento: o texto também me ajudou a sedimentar minha convicção de que queria estudar o século 20 e a obra de Picasso acima de tudo.