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novembro 13, 2012
Nuno Ramos constrói globos da morte em galeria do Rio por Audrey Furlaneto, noticias.yahoo.com
Nuno Ramos constrói globos da morte em galeria do Rio
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no noticias.yahoo.com em 12 de novembro de 2012
RIO - Moldes de gesso de arcadas dentárias, copos com nanquim, as cinzas de um exemplar incinerado de "As pupilas do senhor reitor", o passaporte da artista plástica Tatiana Blass, 500 exemplares de "Memórias póstumas de Brás Cubas", veneno de rato, um retrato (comprado na rua) de Paulo Coelho, alguns troféus. No centro de tudo, dois globos da morte de sete metros de altura - e o autor de todo o excesso, Nuno Ramos.
Em sua nova (e outra vez grandiosa) instalação - a exposição "O globo da morte de tudo", que a galeria Anita Schwartz abre hoje, às 19h, para convidados -, o artista ocupa quase que completamente, com poucos espaços para respiro e para o espectador, cerca de 100 metros quadrados da galeria na Gávea. Para tal, ele convocou a parceria do artista e amigo Eduardo Climachauska. Juntos e durante mais de um ano, os dois coletaram os 1.500 objetos que estão distribuídos em quatro prateleiras conectadas aos globos da morte.
Trata-se de uma espécie de inventário da cultura, ora solar, ora obscura, que está prestes a desabar: na segunda quinzena de dezembro, num evento fechado para o público, Nuno e Clima (como é conhecido) verão girar, dentro dos globos, dois motoqueiros e, enfim, vão assistir à destruição daquele grandioso invento.
Revendo os 25 anos de carreira, Nuno diz que não se lembra de ter feito uma exposição pequena.
- Tenho um certo horror ao vazio, sou um artista do cheio - diz. - Ao contrário da Mira (Schendel), do Waltercio (Caldas), de muitos poetas em que você sente o peso de uma coisa sem corpo, eu vou enchendo de corpo. Acredito só no corpo.
'Quebrou, pagou'
Copos clássicos de botequim (com cerveja), instrumentos musicais, bolas de bilhar, um jogo de xadrez com peças de vidro, um aquário, a lanterna de um fusca, um aviso de "Quebrou, pagou", o diploma de faculdade de Clima e o prêmio Portugal Telecom de 2009 que Nuno ganhou com "Ó", um dos cinco livros que ele já publicou.
- Venho da palavra, tenho uma verbalização solta, escrevo muito, acredito ingenuamente na potência da linguagem. Mas, como a linguagem não é muito verdadeira, a matéria garante a verdade. É o que sempre digo: mil quilos de matéria, antes de mentir, caem.
As prateleiras de "O globo da morte de tudo" parecem contar a história do artista que se formou em Filosofia na USP e montou, nos anos 1980, o ateliê Casa 7 com outros colegas de profissão. Logo ganhou projeção, participou de quatro edições da Bienal de São Paulo (em 1985, 1989, 1994 e 2010, quando levou polêmicos urubus ao Pavilhão da exposição), da 46ª Bienal de Veneza (em 1995) e de um sem número de individuais.
Foi na mesma Anita Schwartz, em 2009, que ele apresentou "Mar Morto" - construiu uma fábrica de sabão na galeria e, lá dentro, moldou barcos que ocuparam, imponentes, o térreo do espaço. Para "Fruto estranho", mostra de 2010 no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio, "construiu" dois aviões dentro do museu. Em Belo Horizonte, em setembro passado, inaugurou "ai, pareciam eternas! (3 lamas)", para a qual escavou o chão da galeria Celma Albuquerque a fim de enterrar na lama réplicas de três casas, criando um memorial imaginário dos endereços que habitou ao longo da vida.
- Acredito demais em arte. É uma coisa até infantil - afirma. - Em todas as exposições, seja no espaço institucional ou não, tento ir atrás de algo que está me incomodando, me cutucando. Se você me perguntar por que a escala é essa, não sei responder. Vem com um desejo talvez de trazer o espectador para uma região onde ele se defenda menos, onde eu possa dispor de um espaço maior da percepção dele.
A arte da parceria
Dois grandes cães de porcelana, um vestido de noiva, taças com cal e água, duas caras garrafas de vinho, um bolo de casamento, vídeos com tutoriais de "como lustrar a pata de um cavalo" ou "como chutar em teste de múltipla escolha", uma luz negra evocando a canção de Nelson Cavaquinho e Amâncio Cardoso que já foi mote de uma parceria antiga entre Nuno e Clima, em 2002.
- Há muito tempo a arte brasileira não faz parcerias - avalia Nuno. - Aqui, um invade o outro, as coisas ficam menos puras, mais sujas. A arte brasileira está dividida em capitanias hereditárias. A arte do Pará é assim, a arte de Pernambuco é assado, aí vem uma chancela internacional e pronto. No fundo, a arte contemporânea sofre de um dirigismo danado.
Nuno tenta escapar do dirigismo não só pela parceria. Destruir a exposição com os motoqueiros girando pelos globos da morte é uma forma de dessacralizar a criação. Ele diz que foi justamente a proximidade do fim, a consciência do desastre, que "desinibiu" a produção de "O globo da morte de tudo".
- Fomos regidos pelo signo da instabilidade. A desmesura de potência do globo da morte e desses pequenos objetos nas prateleiras nos permitiu fazer nossa cafonice em paz - diz.