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outubro 17, 2012
Luiz Zerbini, Raul Mourão e Cabelo mostram ‘geometrias e turbulências’ em exposições individuais, globo.com
Luiz Zerbini, Raul Mourão e Cabelo mostram ‘geometrias e turbulências’ em exposições individuais
Matéria originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Globo.com em 17 de outubro de 2012
Inauguração das três será ao mesmo tempo, nesta quarta, no MAM
Cabelo + Luiz Zerbini + Raul Mourão no MAM, Rio de Janeiro, RJ - 18/10/2012 a 12/2012
RIO - De um lado, uma floresta em delírio, com árvores e flores que parecem saltar, coloridas, de formas geométricas. Anda-se um tanto para o lado oposto, e a geometria parece reinar. As formas surgem equilibradas, ritmadas por um movimento suave. Caminha-se um pouco mais e, enfim, chega-se ao delírio completo que já não obedece às formas e surge ora em espelhos, ora em tecidos brilhantes, ora em néons azuis e vermelhos.
O percurso poético — do delírio da forma ao delírio puro — poderá ser percorrido no Museu de Arte Moderna (MAM), que abre nesta quarta às 19h para convidados três mostras de artistas diferentes e, ao mesmo tempo, próximos: Luiz Zerbini, Raul Mourão e Cabelo.
De Zerbini, a exposição “Amor”, a maior das três que o MAM inaugura hoje, reúne 60 obras da última década — entre elas, as telas (de até seis metros) em que natureza e formas geométricas convivem e deliram no plano bidimensional. Trata-se da maior individual da carreira do artista que nasceu em São Paulo e construiu sua trajetória no Rio, desde os anos 1980, quando trabalhou como cenógrafo do grupo de teatro Adrúbal Trouxe o Trombone.
Um dos grandes nomes da arte contemporânea no país, Zerbini leva de quatro a oito meses para produzir uma pintura. Duas telas que estarão no MAM, entre elas um tríptico de 3 metros por 6 metros, foram feitas especialmente para a mostra. O artista também expõe uma série com slides, telas sem chassis e uma grande mesa em que reproduz as referências que carrega para o ateliê durante o longo e meticuloso processo de criação.
Vizinha à mostra de Zerbini, a exposição “Tração animal” traz oito grandes esculturas de Raul Mourão. São os “balanços” que aparecem na obra do artista desde 2009. Neles, formas em metal se equilibram e têm o movimento alterado pelo toque do espectador. Raul ocupa ainda outras duas salas: numa, balanços menores têm suas sombras projetadas nas paredes; na outra, está o vídeo “Plano/acaso”, em que a câmera, num elevador, percorre os andares de um edifício-garagem no Rio.
Por fim, há “Humúsica”, de Cabelo. E então há terra, floreiras carregadas por imagens de Buda, minhocas, carrinhos, espelhos em bases de skate... Na abertura, o artista irá “incorporar” o MC Minhoca. Fará uma performance com o DJ Esterco (na vida “real”, o DJ XXT) e os meninos Cebolinha e Yuri, do Bonde do Passinho.
Para o curador do MAM, Luiz Camillo Osorio, “pelo contraste, percebe-se a singularidade” dos artistas:
— A apropriação surge como um elemento vital que é potencializado pela obra de cada um. Raul se apropria dos andaimes de forma lúdica, Cabelo tem um universo inteiro. Zerbini vai dos galhos secos às caixas de som, aos slides, aos postes. Ele combina a exuberância de uma obra do Renascimento com a vibração potente de uma banda como Sonic Youth.
Na parede principal do Espaço Monumental do MAM, Zerbini mostra o que define como “conversa entre objetos, cores, formas e composições”. Ele ocupa quase toda a parede com telas que flertam com a figuração, a abstração e a geometria.
A figuração, por exemplo, surge em plantas, convivendo com caixas de som, postes da cidade ou micos que percorrem cabos de energia. Tudo é reflexo da observação da cidade pelo artista, que fotografa postes ou carrega plantas para o ateliê a fim de contemplá-las e recriá-las na pintura.
Zerbini ocupa a parte mais alta da parede, perto do teto, com as formas geométricas puras, em pinturas com incontáveis quadrados do cinza ao preto. Tudo em “Amor” é grandioso e, como diz o curador do museu, “potente e exuberante”.
— É como se fosse um espaço fantástico, mas numa escala real, uma continuação do espaço real — afirma Zerbini.
Na parede oposta, há vitrines de acrílico com slides coletados pelo artista há alguns anos. Ele os organiza, criando padrões, ou faz intervenções, substituindo as imagens por gelatinas coloridas. Já nas laterais do espaço, ficam telas presas por cordas, como “páginas de um livro gigante”.
Reunir todos os trabalhos sob o título “Amor”, diz Zerbini, pareceu-lhe uma “tradução muito precisa do trabalho”:
— Dentro dele está a memória emocional do que se viveu, estão a família, as amizades, a loucura. Tudo isso está incluído na ideia de amor.
Já a expressão “Tração animal”, título da mostra de Raul Mourão, é definida em dicionários como “qualquer veículo deslocado por animal”. No MAM, o espectador é quem “desloca” a obra. Com um toque, as esculturas entram em um “equilíbrio instável”, como diz o artista, que pode ser alterado continuamente.
Para ele, a mostra deve despertar a “vertigem do olhar”.
— A principal função da arte é essa. Uma função social, aliás. Trata-se de impregnar o homem de poesia — diz Raul.
Já em “Humúsica”, de Cabelo, a natureza torna-se ainda mais lúdica — um viveiro de minhocas está no centro de tudo. A ideia que parece dar base à mostra é que o resíduo torna-se fertilizante (no caso, de novas ideias, de obras pouco óbvias que flertam com Arthur Bispo do Rosário e a arte pop).
Além da sala principal, onde há de telas a minhocas, Cabelo criou outra, onde estão vídeos e “objetos de vários tempos, obras feitas e a fazer”.
— O Cabelo é um artista que sai da música, da performance, dessa vibração da cultura pop do Rio e vai para o desenho, o objeto — diz Luiz Camillo Osorio, para, em seguida, retormar a relação entre os três artistas:
— Zerbini tem um pouco da geometria do Raul e da turbulência do Cabelo. Com a geometria do Raul, você vê a turbulência do Cabelo. E, com ela, a geometria do Raul fica mais poética.