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outubro 9, 2012
Vale quanto pesa? por Matheus Magenta, Folha de S. Paulo
Vale quanto pesa?
Matéria de Matheus Magenta originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 9 de outubro de 2012.
Para destravar o Vale Cultura na Câmara, ministra articula a retirada dos aposentados do projeto
Para evitar o desgaste político de um veto da presidente Dilma Rousseff, a ministra da Cultura, Marta Suplicy (PT), articula com a base aliada a exclusão, ainda na Câmara, de aposentados e servidores públicos dentre os beneficiários do Vale Cultura.
A ministra avalia que a retirada de parte dos beneficiários causaria menos dano do que deixar o projeto parado na Câmara, como está hoje.
O Vale Cultura propõe benefício de R$ 50 mensais a ser utilizado no consumo de bens culturais, como livros e discos -no caso dos aposentados, seriam R$ 30.
Lançado com pompa em 2009 pelo então presidente Lula, o projeto é pretende incentivar o consumo cultural e é a principal proposta de política pública para este fim.
Para o professor Pablo Ortellado, do grupo de pesquisa em Políticas Públicas da USP, o objetivo do Vale Cultura não é incentivar projetos sem sustentação financeira (questão a ser sanada por políticas de financiamento e subsídio da produção).
"O que Vale Cultura visa é dar ao consumidor, principalmente ao mais pobre, o direito de ter acesso à cultura de acordo com seu próprio gosto e interesse", disse.
Segundo pesquisa de amostragem nacional feita em 2010 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 71% dos brasileiros dizem que o preço alto é um obstáculo ao acesso à cultura e 80,4% dos que vivem na região Sudeste vão raramente ou nunca foram ao cinema.
BENEFÍCIO
Inicialmente, o vale só beneficiaria, por exemplo, trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos (R$ 3.110, no valor atual), via a renúncia do Imposto de Renda dos empregadores. Ao todo, cerca de 12 milhões de trabalhadores seriam beneficiados (veja quadro ao lado).
Assim, o governo deixaria de arrecadar cerca de R$ 7 bilhões anuais -valor que seria injetado no setor cultural.
Para se ter uma ideia do impacto potencial do Vale Cultura, foram investidos, via renúncia fiscal, R$ 9,1 bilhões ao longo de 20 anos de vigência da Lei Rouanet, o maior mecanismo de fomento à cultura do país.
O impasse na aprovação do projeto surgiu durante tramitação na Câmara, em 2009, quando aposentados e servidores federais foram incluídos no projeto. Só com os aposentados, a União desembolsaria R$ 9 bilhões anuais (o MinC não calculou o impacto do funcionalismo).
"Foi uma armadilha porque inviabilizou o projeto mais importante de cultura para a população carente. Foi uma perversidade", disse Marta Suplicy à Folha.
Procurado, o Sindicato Nacional dos Aposentados não se manifestou até o fechamento desta edição.
ESTRATÉGIA
Na semana retrasada, a ministra se reuniu com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT), para acertar os detalhes da estratégia governista de pulverizar o ônus político entre os deputados federais.
O projeto já foi aprovado no Senado, mas voltou à Câmara porque sofreu mudanças, como a inclusão da possibilidade de usar o vale para comprar jornais e revistas.
Os ex-ministros da Cultura Juca Ferreira (2008-10) e Ana de Hollanda (2011-12) não tiveram força política para convencer a base aliada a mudar o projeto e levá-lo a votação. Agora, caso seja aprovado, segue para sanção de Dilma.
Há ainda uma preocupação com as eleições presidenciais de 2014, quando Dilma deve concorrer à reeleição.
O governo corre contra o relógio porque projetos com renúncia fiscal só passam a valer no exercício seguinte. Ou seja, se for aprovado neste ano, só vigorará em 2013. Somam-se a isso os seis meses necessários para a implementação do vale, que estaria a pleno vapor no ano eleitoral.