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setembro 18, 2012
Pela preservação da memória da arte por Iracema Sales, Diário do Nordeste
Pela preservação da memória da arte
Matéria de Iracema Sales originalmente publicada no Caderno 3 do Diário do Nordeste em 16 de setembro de 2012
De acordo com o diretor técnico do Centro Cultural Inhotim, Lucas Sigefredo, um dos focos do trabalho do lugar é a manutenção da integridade das obras de seu acervo
Como é que os museus, as galerias e os centros de arte e cultura trabalham a preservação de obras de arte contemporânea, algumas, feitas com a utilização de diversos materiais perecíveis?
Por ser uma tecnologia nova, que exige muita pesquisa e também pelo acelerado ritmo de produção em arte contemporânea, creio não ser possível falar em um padrão único de cuidado com essas obras. Até mesmo pela diversidade de mídias exploradas pelos artistas, os desafios em entender e significar os procedimentos de conservação, manutenção e restauro são tão vastos quanto o universo de pesquisa criativa. No caso específico de Inhotim, o trabalho realizado com a coleção do instituto prioriza a perpetuação da experiência artística de maneira atemporal, ou seja, buscamos promover a integridade física das obras e seus mais diversos elementos para mantê-las acessíveis às futuras gerações. Com os recursos de novos materiais buscados pelos artistas, em alguns casos, a dificuldade de conservação pode ter um caráter conceitual para a obra de arte. Um dos nossos focos de trabalho é exatamente em torno da elaboração e preservação da memória dos processos de produção artística. Com um banco de dados composto por informações múltiplas e de alta qualidade, conseguimos reconstituir elementos básicos que, devidamente combinados, possibilitam eventuais intervenções e até mesmo reconstruções de obras de arte contemporânea.
Lucas afirma que "não seria condizente com o valor das artes negar às futuras gerações um contato de qualidade com obras relevantes para a humanidade"
No Centro Cultural do Instituto Inhotim existem muitas obras de artistas como Hélio Oiticica e Artur Barrio. Como todas essas obras são conservadas, cada uma com sua especificidade, a exemplo de Barrio, que trabalhou com material perecível, como a carne de boi?
Estes artistas e muitos de seus trabalhos são objetos de longas discussões teóricas, conceituais e práticas sobre os procedimentos de restauro, conservação, manutenção e, até mesmo, coautoria das obras de arte. A performance é um dos elementos chave dessas discussões. A partir do momento em que a presença do espectador ou do ´performista´ se faz necessária para dar vida à obra, cabe a pergunta: se a obra de arte subsiste como objeto estático e inanimado. Alheios às conclusões acerca das discussões conceituais sobre o tema, os profissionais responsáveis pela salvaguarda do acervo artístico de Inhotim têm todo o cuidado de preservar a memória de cada uma das cerca de 600 obras pertencentes ao acervo do instituto. Não caberia, no caso da obra de Artur Barrio, tentarmos preservar o objeto central da performance realizada nos anos 1960 (pedaços de carne de boi, sangue, papel higiênico, tecidos etc.), mas, sim, toda a memória gerada pelo próprio artista em fotografias, vídeos e textos. O contexto político no qual foi realizada a performance dá o tom preciso ao trabalho que, ainda hoje, permanece atual e sempre terá alto valor histórico.
Você acha que é possível a construção da memória da arte contemporânea, mesmo diante da enorme fragilidade dos seus suportes e dos materiais efêmeros?
Nós acreditamos que sim. Grande parte do nosso trabalho é exatamente em função dessa construção. Não seria condizente com o valor das artes plásticas negar às futuras gerações um contato de qualidade com obras de arte relevantes para a humanidade. Grandes realizações humanas devem ser lembradas e celebradas em qualquer tempo e contexto. A memória é peça fundamental na construção da história e do futuro de qualquer sociedade