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agosto 29, 2012
Nordeste em foco, Revista Lugares
Nordeste em foco
Matéria originalmente publicada na Revista Lugares em 14 de agosto de 2012.
Metrô de Superfície no Paço das Artes, São Paulo - SP - 17/07/2012 a 13/09/2012
Fruto de um intenso trabalho de pesquisa da dupla formada por Bitu Cassundé e Clarissa Diniz, o projeto Metrô de Superfície ganhou forma no Paço das Artes e, até 13 de setembro, apresenta um amplo recorte artístico que visa discutir a produção realizada na região Nordeste desde os anos 2000. Para realizar a seleção, a curadoria desenvolveu uma pesquisa detalhada que durou cerca de dois anos. “Viajamos todos os estados da região nordeste, vistamos ateliês e instituição, e a partir do cruzamento de informações e experiência, chegamos aos artistas participantes”, explica Bitu Cassundé. A proposta transcende a apresentação dos resultados das investigações e inclui conversas, debates e performances na agenda do projeto, assim como duas mostras de obras – uma agora e outra em novembro.
Segundo a Clarissa Diniz, dois eixos se destacam entre os trabalhos selecionados para a exposição. “O primeiro deles tem a ver com uma produção de subjetividade bastante literária em estreita relação com o corpo e com a ideia de ficção”. Dentro deste, ela aponta para as temáticas das reinvenções de gêneros, como nos trabalhos de Solange, tô aberta! e Virgínia de Medeiros, das questões de identidades abordadas por Rodrigo Braga e Carlos Mélo, até às mitologias como em Marina de Botas e Milena Travassos. “Por sua vez, outro grande eixo que estrutura a segunda mostra do projeto aborda a força da arte no campo dos interstícios sociais, reunindo trabalhos que acontecem de modo mais geopolítico”. Grupo GIA, Vitor Cesar Jonathas de Andrade e Lourival Cuquinha são alguns dos artistas que sustentam esta diretriz em Metrô de Superfície.
Investigação, dificuldades e avanços
O mapeamento da produção na região começou há alguns anos, quando Clarissa e Bitu foram assistentes curatoriais do Programa Rumos Artes Visuais 2008/2009. Na ocasião, a curadora comenta que encontrou uma grande disparidade entre o que se proclamava “arte contemporânea” e o que realmente era feito neste âmbito. A disputa por predominância dentro do cenário comprovava que o potencial criativo na região era direcionado pela vontade de inserção em um meio dominante. “Mesmo que inconscientemente, esses artistas violentavam a invenção pelo desejo de reverberação/interlocução no seio de um campo cada vez mais hegemônico, identificado por uma ideia de arte contemporânea que, no fundo – e a despeito de toda a retórica –, é bem menos diversa do que poderia ser”, afirma Clarissa. Situações como esta não se aplicam apenas ao panorama da região, mas são algumas das questões levantadas pelos curadores que podem ser enxergadas através da ótica de um cenário nacional.
Para Bitu, a maior dificuldade em relação à articulação da região, no que diz respeito às artes visuais, recai sobre a gestão. A falta de ações incisivas para as artes visuais e políticas continuadas que reverberem situações de trocas e formações são as grandes dificuldades da administração de um campo de atuação favorável, ainda que se apresente uma situação de crescimento do número de atores circulando e produzindo neste meio. “Observa-se um número bem mais significativo de pesquisadores, curadores e críticos que dão maior fundamentação a estas práticas”, aponta Bitu. Para permanecer em um caminho de avanços e melhorias no cenário artístico, Metrô de Superfície vem justamente para provocar o debate em torno das questões que se apresentam na produção realizada no Nordeste na última década e nas relações estruturais apresentadas nesta perspectiva.
Para além das exposições
Assim, a proposta não configura-se apenas na exposição desta produção, mas é composta também por ciclos de seminário e publicações que dão sustento à concepção do projeto. No dia posterior à abertura, por exemplo, os artistas Bruno Vilela, Amanda Melo, Juliana Notaria, Milena Travassos, Virgínia de Medeiros, a crítica Carolina Soares e os curadores estiveram reunidos para uma primeira conversa aberta ao público sobre a mostra. No dia 27 de agosto acontece mais uma rodada de eventos: o grupo de artistas formado por Ribeiro, Thiago Martins de Melo, Carlos Mélo, Rodrigo Braga, Marcelo Gandhi e Pedro Costa se reúne com os curadores e Carolina Soares para um segundo encontro. No mesmo dia, Bitu Cassundé media o debate entre os artistas José Rufino e Marcelo Campos, e à noite o encerramento fica por conta da performance de Solange, tô aberta!.
Ainda que não se possa romper completamente com o discurso da territorialidade, Metro de Superfície vai muito além dele. A finalidade aqui é não é enquadrar a produção realizada no Nordeste em determinados parâmetros artísticos e ou estéticos, mas fomentar um diálogo que possibilite reflexões acerca de um espaço de produção e melhorias de formação e atuação de artistas e do público no mesmo. Com este objetivo, o empenho das instituições se mostra fundamental. O Centro Cultural Banco do Nordeste adquiriu, por exemplo, os trabalhos exibidos em Metrô de Superfície e colabora, assim, para o desenvolvimento de uma coleção calcada na produção local. Apresentar este conjunto no eixo Rio-São Paulo é importante, mas não essencial. O indispensável que é que esforços múltiplos de diferentes vértices resultem em uma forma articulada de gestão do circuito artístico-cultural do Nordeste.