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agosto 24, 2012
O choque do encontro por Paula Alzugaray, Istoé
O choque do encontro
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada no caderno de Artes Visuais da revista Istoé em 17 de agosto de 2012.
Mostra de arte digital promove aproximação entre ciência de ponta e ciência de garagem
No princípio, havia a fotografia em branco e preto, a máquina jukebox, o cinema novo, as bombas de fabricação caseira. Hoje proliferam projeções controladas por computadores, manipulações digitais, vídeos no YouTube, a militarização da vida cotidiana.
Mas, entre esses dois tempos tecnológicos, entre o low e o hi-tech, despontam as tecnofagias. De acordo com a 3ª Mostra 3M de Arte Digital, a tecnofagia acontece quando a ciência de ponta encontra a ciência de garagem, ou quando o virtual se depara com o real.
A tecnofagia acontece quando o fotógrafo Cássio Vasconcellos realiza uma série de imagens aéreas de caminhões de verduras do Ceasa paulista e produz uma fotomontagem de precisão que quer alcançar uma nova realidade fantástica. É também quando a videoartista Lea van Steen arquiva sua coleção de vídeos caseiros em uma daquelas antigas máquinas de músicas que ficavam em lanchonetes e inventa um sistema de projeção que transforma o banal em extraordinário. Ou quando o artista Arthur Omar compila a sua série antológica “Antropologia da Face Gloriosa” (1973-1997) e reedita o trabalho em versão digital. “Com a pele cromática aplicada à imagem original em preto e branco, este é mais um capítulo do desenvolvimento exploratório da face”, explica Arthur Omar.
Tecnofagias também são geradas na revisitação da fotografia primitiva, por Dirceu Maués, que acoplou uma câmera pinhole artesanal ao guidão de uma bicicleta. O movimento do pedal aciona o giro da bobina e o registro da paisagem em uma espécie de fotografia fílmica. Estética que se faz presente nas entranhas expostas da escultura móvel eletrônica de Rafael Marchetti, feita de canos conduítes de plástico e cabos de aço que se agitam como velas de barcos, sensíveis à movimentação do público. O termo se refere ainda aos processos ao mesmo tempo rudes e sofisticados. Como a máquina trituradora de e-lixo, de Lucas Bambozzi, que atua entre as mídias vivas e as mortas, movida a estímulos do campo eletromagnético produzido pelo uso de celulares dos visitantes da exposição.
“Tomei Glauber Rocha como o grande modelo tecnofágico dessa exposição”, afirma a curadora e midiartista Giselle Beiguelman, editora-chefe da revista “seLecT”. “Glauber e sua iluminação zenital do sertão. Aquela é uma estética que não conjuga com a ideia de um Brasil precário e não nega a cultura de massa contemporânea”, completa ela. Tecnofogia é Glauber, é carnaval, praia e é vida digital.