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julho 31, 2012
Sérvia Marina Abramovic busca captação de R$ 15 milhões para abrir instituto por Audrey Furlaneto
Sérvia Marina Abramovic busca captação de R$ 15 milhões para abrir instituto
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Globo em 31 de julho de 2012.
Aos 65, principal nome da performance mundial vai dedicar um ano para buscar dinheiro
RIO - Marina Abramovic já desenhou no corpo, com uma navalha, a estrela-símbolo do comunismo. Penteou-se até ver sangrar o couro cabeludo, deitou-se numa esfera em chamas, passou 700 horas sentada no MoMA de Nova York olhando nos olhos de 750 mil pessoas. Aos 65 anos, o principal nome da performance mundial parece ter experimentado tudo, testando os limites do corpo e desafiando o público de incontáveis formas. Mas, agora, ela se prepara para algo completamente novo, um projeto que diz ser o maior desafio de sua vida: conseguir US$ 15 milhões em um ano.
— Levantar esse dinheiro é definitivamente um projeto artístico. Nunca fiz algo parecido. Não é o tipo de coisa que artistas fazem, mas é parte do meu sonho criar um legado, e não tenho escolha. Não sei como as pessoas fazem isso, não sou uma mulher de negócios, mas quero ver se, como artista, posso fazê-lo — diz a sérvia ao GLOBO, por telefone, de Amsterdã, onde descansava na última semana à espera do visto para os Estados Unidos (ela é cidadã holandesa, e seu escritório fica em Nova York).
A empreitada para levantar os US$ 15 milhões tem como objetivo erguer o Marina Abramovic Institute for the Preservation of Performance Art, em Hudson, a duas horas de Manhattan. A ideia é que o espaço, projetado pelo escritório do arquiteto Rem Koolhaas, abra em 2014. Para realizar o feito, ela fez uma lista de objetivos.
— Vou cumpri-los como um soldado, um a um. Não me importo com o tempo que vai levar. Para mim, é processo de criação. Vou a um lugar a que nunca fui antes: negócios, dinheiro. Não sei o que isso significa! Não sei sequer o que são US$ 15 milhões (risos). Mas a ideia de fazer algo que vai mudar a forma como a arte é recebida no mundo é muito estimulante — diz, para já emendar uma ressalva: — Não vou me sentar em jantares com pessoas ricas para pedir dinheiro. Não faço isso. Quero um jeito novo.
A artista já bloqueou a agenda de 2013 para dar conta da empreitada e abriu uma única exceção — para o Rio. Marina, que desde o início dos anos 1990 visita o Brasil frequentemente em busca de matérias-primas para suas obras, como cristais e pedras preciosas, diz que só vai interromper a busca pelos US$ 15 milhões para preparar um grande projeto que chegará ao Rio em 2014, em cinco endereços diferentes, ainda não definidos. Em outubro, virá à cidade para a estreia do documentário “The artist is present”, no Festival do Rio, e aproveitará para visitar alguns lugares.
Em maio, ela passou por aqui para encontrar o secretário municipal de Cultura, Emilio Kalil, e conhecer espaços, como o Imperator, no Méier, que poderiam abrigar seu projeto na cidade. Marina quer ensinar no Rio o “Método Abramovic” — segundo ela, “uma forma de obter um estado mental de completa clareza para desenvolver as próprias ideias” —, trazer a exposição homônima, que acaba de ser mostrada pela primeira vez, em Milão, na Itália, e apresentar trabalhos novos — além de montar por aqui a peça “Vida e morte de Marina Abramovic”, em que é dirigida por Robert Wilson ao lado do cantor Antony Hegarty (do Antony and The Johnsons).
— Já é hora de o Brasil ver essas obras que são mostradas no mundo todo, mas nunca aí. Vocês terão uma overdose de mim, aliás — diz, rindo.
Depois de outubro, Marina voltará ao Brasil em dezembro. Ficará dois meses pela Amazônia e por Alto Paraíso, em Goiás, para se encontrar com xamãs ou com “todas as possibilidades de aprender diferentes percepções do mundo”. Quer melhorar os “conhecimentos sobre energia”. Virá acompanhada de cinco pessoas, entre elas um fotógrafo e um diretor de cinema. O plano é criar um diário da viagem e talvez um filme. Quando for embora, em janeiro de 2013, voltará à busca pelos US$ 15 milhões. O principal desafio será fazer isso sem recorrer a patrocinadores milionários (“Pessoas que dão muito dinheiro querem algum retorno. E esse projeto não é sobre obter dinheiro ou fama, é sobre dar dinheiro até mesmo anonimamente porque você acredita nisso”, diz). A saída é seu público “extremamente jovem”.
— Tenho 70 mil pessoas no meu Facebook. Obama levantou o dinheiro para a campanha presidencial apenas com doações em seu site. Vamos ver qual é o poder desses jovens.
Para ela, “o sonho é fazer o que fez Andy Warhol com sua Factory” — “mas sem drogas”, avisa. Ela diz que passou incólume pelos anos 1970, quando criou performances emblemáticas (e arriscadas, como aquela em que se deitou sobre chamas), tudo sem drogas ou álcool.
— Realmente não gosto de drogas. Acho que é tão importante ter a mente limpa. Mas sabe? É tão fácil ser egoísta, ou seja, quem se importa? Eu me importo e realmente acredito que se pode ter uma consciência maior. Eu poderia apenas aproveitar meu sucesso, passar os dias viajando e tendo bons momentos. Mas não acho que isso seja bom. Todo o conhecimento e a experiência que tenho podem ser formalizados e ajudar outra geração a adquirir experiência.
Buscar milhões para o instituto é algo um tanto distante dela, que, nos primeiros trabalhos, fazia tudo sem dinheiro, com o então marido e artista Ullay (“Meu corpo era minha arte. Isso não custa muito”, brinca). Depois da retrospectiva no MoMA, em 2010, passou a vender mais e se animou a investir tudo no instituto.
— Gastei os US$ 170 mil que ganhei nessa prosperidade só para consertar o telhado (do prédio do instituto). Percebi que o projeto está além das minhas possibilidades.
Marina diz não se ressentir com o fato de a arte ter se aproximado tanto dos negócios (“A arte sempre foi ligada a negócios, não é algo novo”) e menos ainda que isso não tenha chegado de forma intensa à performance (“Ninguém tinha dinheiro, especialmente os performers, e isso não mudou muito”). Ela própria vive da arte apenas há 15 anos — foi professora durante 25 anos.
— Hoje, trabalho tanto para fazer da performance uma arte do mainstream que é natural que eu consiga viver disso. Mas também não é que eu viva exatamente de performance, porque vivo da venda das fotos, dos objetos. E ainda assim meus preços são tão mais baixos do que, por exemplo, jovens artistas que fazem pintura. Meu trabalho é 20 vezes mais barato — diz, dando uma longa gargalhada.
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