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junho 22, 2012
Mulheres de fases por Nina Gazire, Istoé
Mulheres de fases
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 15 de junho de 2012
Quinze trabalhos escolhidos pelo próprio artista Miguel Rio Branco revelam como o feminino foi representado ao longo de sua carreira de mais de quatro décadas
Miguel Rio Branco começou sua carreira como pintor nos anos 1960, mas foi quando passou a usar a fotografia como meio de expressão que se tornou um artista conhecido. Já nos primeiros anos – e favorecido pelo ambiente de renovação nas artes visuais, que passou a aceitar plenamente a imagem fotográfica além do simples registro –, Rio Branco se tornou um dos pioneiros no Brasil a transgredir as fronteiras entre o ato documental da câmera e a expressão poética de quem foca a objetiva. Graças a essa ênfase no olhar pessoal como o primeiro mediador do gesto fotográfico, o artista recebeu prêmios de destaque como o Prêmio Kodak de la Critique Photographique, de 1982, na França, e suas obras figuraram nos mais importantes museus do mundo.
Uma de suas produções mais celebradas são as imagens de prostitutas da então decadente área do Pelourinho, em Salvador. Essa série começou a ser feita em 1979 e, nessa mesma época, ele realizou filmes e fotos que poderiam, respectivamente, ser mostrados em telejornais ou estampar jornais e revistas – mas transcendiam o registro imediato. “A minha fotografia encerra muito mais uma questão subjetiva que objetiva”, disse Rio Branco à ISTOÉ. A par dos lugares e circunstâncias, ele fotografou incidentalmente – ou propositalmente – mulheres nas mais diferentes situações. Foi revisitando esse material produzido durante três décadas que o artista decidiu fazer seu próprio recorte buscando uma poética do feminino em imagens de contextos e épocas distintas. Os 15 trabalhos escolhidos para a mostra “La Mécanique des Femmes” trazem assim, uma articulação de diferentes visões sobre o tema ao longo de sua carreira. “A exposição se faz a partir da edição e da construção do olhar. Imagens produzidas 20 ou 30 anos atrás e em condições diversas ganham uma nova dinâmica ao serem colocadas juntas”, afirma.
Nesse contexto, Rio Branco identificou em sua obra desde a tradição pictórica ocidental dos nus femininos até questões sociais como a subserviência da mulher. “Maria” é o trabalho mais recente. Realizado em 2011, mostra o torso da atriz Mariana Ximenes, que posou nua pela primeira vez em sua carreira. Nas três imagens, ela realiza posições contorcionistas que dão ao corpo um caráter escultórico. Já em “Ophelia”, de 1976, Rio Branco dá a sua versão para a personagem shakespeariana da tragédia “Hamlet” cujo suicídio em um rio foi retratado à exaustão ao longo da história da pintura. Completamente distinto é o díptico “Casamento Cigano”, que retrata detalhes de uma boda cigana. A imagem é mais que o registro de uma cerimônia étnica: o gestual do casal termina por desnudar uma ação universal de dominação do homem sobre a mulher. “Na cerimônia, a mulher está completamente entregue ao domínio do marido. É uma situação de submissão”, diz o artista.
A origem da atual exposição se deu com a observação das relações de gênero hoje. Para Rio Branco, nas novas configurações da atualidade as fronteiras entre masculino e feminino revelam-se cada vez mais sublimadas. “A mostra é um começo de uma série, um pedacinho de um trabalho que vai ser desenvolvido de forma mais interessante no futuro”, revela o artista, que evidencia também as suas próprias mudanças de foco em relação à representação da mulher em seu ato fotográfico.