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maio 22, 2012
Artistas captam a poesia do cotidiano de lavadeiras em Salvador por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Artistas captam a poesia do cotidiano de lavadeiras em Salvador
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha de S. Paulo em 19 de maio de 2012.
Há 40 anos, os moradores que viviam em torno do Museu de Arte Moderna da Bahia, da comunidade Solar do Unhão, só visitavam o local com latas na cabeça para buscar água potável.
Desde a última sexta (18), porém, eles são vistos como personagens da obra "Água de Chuva no Mar", por ocasião da mostra "Estranhamento Possível", da dupla Maurício Dias e Walter Riedweg, que apresenta ainda outras quatro videoinstalações.
"Água de Chuva no Mar" é o mais recente trabalho dos artistas, que costumam criar obras a partir do contato com grupos específicos. No caso de "Água...", a temática partiu das lavadeiras que vivem próximas ao museu, com as quais os dois conviveram por um mês.
"Até os anos 1970, como não havia água encanada na comunidade, elas vinham buscar água no museu. Nos pareceu ótimo abordar a história dessas mulheres, que com essa água lavavam as roupas da elite que frequentava o próprio museu", contou Dias à Folha.
A água, aliás, é um elemento que une alguns dos trabalhos apresentados. Ela está presente na videoinstalação "Juksa" (2006), que aborda o fim da pesca a partir de relatos dos últimos habitantes de uma pequena ilha no Pólo Norte. A vida em outra ilha é ainda abordada em "Paraíso Cansado", sobre o cotidiano da Gran Canaria, na Espanha.
"Para nós é muito importante essa aproximação com a comunidade Solar do Unhão, pois há três anos já temos um trabalho educativo com as crianças de lá, como forma de inclusão", diz a diretora do museu, Stella Carrozzo.
"Água..." apresenta relatos bem humorados das lavadeiras mesclados a fotografias antigas do acervo do museu, junto com fotos antigas delas próprias, além de imagens da Festa de Iemanjá. "Elas falam com afeto e doçura de algo que não é tão doce assim, afinal elas recebem apenas R$ 30 por 150 peças de roupa lavada", afirma Dias.
A mostra da dupla, que no próximo ano comemora duas décadas de trabalho conjunto, apresenta ainda "Deus é Boca" (2002) e "A Casa" (2008), na qual vivem os protagonistas.
"Esse trabalho foi feito após um período de muito trabalho, por conta da Documenta de Kassel [famosa exposição de arte realizada na Alemanha], em 2007, e sentimos que era necessário um pouco de reclusão, por isso estamos em nosso local de intimidade", resumiu Dias.