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maio 11, 2012
Modernos disputam espaço no mercado, Valor Econômico
Modernos disputam espaço no mercado
Matéria originalmente publicada no jornal Valor Econômico em 7 de maior de 2012.
Num momento em que a arte contemporânea brasileira vê o surgimento de novas feiras e galerias, além de aumento no volume de negócios - 44% de dois anos para cá, segundo a Abact (Associação Brasileira de Arte Contemporânea) -, marchands especializados em arte moderna trabalham para manter intacta e saudável aquela que é tradicionalmente sua boa fatia do mercado: colecionadores mais velhos, discretos e com maior poder aquisitivo.
Habituado a formar grandes coleções privadas - entre elas a sua própria -, o marchand Paulo Kuczynski abriu recentemente uma exposição com apenas oito telas de Di Cavalcanti (1897 - 1976). Concentrou-se no período que vai dos anos 1920 aos 1940, antes de o artista começar a se repetir e perder a força. "Passei cinco anos trabalhando para juntar essas obras, não fiz concessões", afirma Kuczynski. "Não existe uma reunião como essa em museu nenhum."
Ali estão obras especiais, como "Descanso dos Pescadores", que passou décadas com a família do escritor José Lins do Rego (1901 - 1957) e que, pela qualidade e raridade, enche os olhos dos colecionadores. "A Mulher do Caminhão", tela que pertencia ao joalheiro Lucien Finkelstein, foi vendida antes mesmo de a exposição ser inaugurada. "Com a profissionalização do meio, já não basta a assinatura de um pintor. Colecionadores se tornaram bem informados, buscam as melhores obras da melhor fase de um artista", diz o marchand.
A arte moderna engloba a produção de artistas que eram jovens nos anos 1920, 1930 ou 1940. Di Cavalcanti viveu até 1976; Alfredo Volpi, até 1988. Kuczynski conviveu com o segundo até o fim da vida, visitando com frequência seu ateliê. Hoje, com os artistas já todos mortos, marchands são garimpeiros. Fuçam coleções particulares, visitam casas de família, de olho nos espólios e heranças. São capazes de analisar o legado de um artista e saber onde ele deixou sua melhor marca, além de escapar das falsificações que povoam o mercado. "Artista não faz obra-prima todo dia", lembra Kuczynski.
Por seu lado, galeristas de arte contemporânea precisam saber distinguir, em meio ao mar de jovens artistas, os nomes que podem se destacar em 20 ou 30 anos. Depois de seis anos trabalhando para um marchand, Jaqueline Martins, de 35 anos, abriu no ano passado sua própria galeria em Pinheiros. "Eu tinha vontade de entrar em contato com a produção da minha geração, visitando ateliês, me aproximando dos artistas. A Tarsila [do Amaral] não está mais aqui, não dá para voltar ao passado", diz. Ela ressalta que o volume de investimento necessário para trabalhar com modernos é muito maior. "Eu não teria esse capital."
No ano em que a Semana de 1922 comemora 90 anos, a distância entre quem comercializa modernos e quem se aventura pelos contemporâneos parece estar mais demarcada. Mais importante feira de arte no país, a SP-Arte começa nesta quinta-feira para o público (quarta, para convidados), com nova disposição de stands. O térreo ficará reservado para as grandes galerias de arte contemporânea (Fortes Vilaça, Luisa Strina, Nara Roesler, entre outras), enquanto leiloeiros, marchands e alguns galeristas mais tradicionais ocuparão o segundo piso. A separação gerou certo mal-estar no mercado. Há quem ache absurdo que os segundos, responsáveis pelas vendas mais corpulentas, fiquem isolados.
Para Daniel Roesler, trata-se de separar 'mercado primário" do "mercado secundário" de arte. "Fazendo um paralelo, as galerias atuam como IPOs nesse mercado, lançando novas ações. Existe todo um trabalho feito com o artista, uma preocupação com a sua carreira como um todo. Um leiloeiro ou marchand agrega valor de outro modo, numa determinada transação de determinada obra. Não vai se preocupar com a carreira de Portinari, porque já está feita", diz
Numa das edições anteriores da feira, o stand da galeria Fortes Vilaça ficava em frente de um escritório pequeno de arte que revendia obras d'Os Gêmeos e de Vik Muniz, artistas então representados pela galeria. Como cada um quer defender _e vender_ seu peixe, existe uma dissidência na hora de definir onde começa a "verdadeira" arte brasileira. Enquanto partidários do modernismo tendem a valorizar a geração decorrente de 1922, outra corrente reserva aos heróis conceituais do anos 1950 e 1960 - Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape - o papel de inaugurar uma produção "genuína", reservando ao movimento moderno adjetivos como "menor" e "tardio".
Diante de altos preços alcançados por alguns contemporâneos, com as pintoras Beatriz Milhazes e Adriana Varejão encabeçando a lista, é possível que arte moderna se torne investimento atraente, dado que o risco envolvido é menor. Em dezembro de 2011, uma tela de Volpi com estimativa entre R$ 1,4 e R$ 1,8 milhão foi vendida por R$ 1,9. Alguns meses antes, "Correnteza", de Adriana Varejão, foi estimada entre R$ 800 mil e R$ 1, 2 milhão. O último lance, porém, foi de R$ 2, 05 milhões. Os dados são da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro.
"A questão é que a trajetória de um artista vivo é imprevisível", diz Jaqueline. "Não sabemos o que vai acontecer. Se pudesse prever, eu teria comprado todas as Miras [Schendel] que vi por US$ 500. Comprei só algumas."
O boom no interesse e nos preços dos neoconcretos é outro fenômeno que continua a mobilizar o mercado. Lygia Clark esteve na lista de vários colecionadores estrangeiros na última Art Basel e uma de suas obras alcançou R$ 4,1 milhões, um recorde. Além disso, as vendas se aquecem com a confirmação de uma exposição de Mira na Tate Modern, em Londres, em 2013, e uma retrospectiva da própria Lygia, no Museum of Modern Art, em Nova York, confirmada para 2014. O frisson levou o mercado a absorver figuras secundárias do movimento. Há quem chame de "tirania neoconcreta" a obsessão que tomou conta dos colecionadores e que, como toda moda, há de passar.
O fechamento recente da galeria de Thomas Cohn, uma das mais tradicionais de São Paulo, veio reforçar a impressão de que o mercado vive tempos agitados, loucos, com muito dinheiro em circulação. O imóvel na avenida Europa foi comprado pela vizinha Nara Roesler, em expansão. A partir do próximo dia 17, ela será uma das três galerias a participar da Hong Kong Art Fair, ao lado da Casa Triângulo e da Mendes Wood. "Vamos levar um pouco de casa coisa. Por enquanto, a expectativa não é vender muito, mas fazer uma aproximação", diz Nara. A galeria contratou um tradutor e mandou fazer cartões de visita em chinês para facilitar o contato. Saber o que os chineses querem da arte brasileira pode ser uma peça adicional para compor o quebra-cabeça intrincado do mercado nos próximos anos.