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maio 8, 2012
Terra de gigantes por Paula Alzugaray e Bate papo Antony Gormley por Nina Gazire, Istoé
Terra de gigantes
Matéria de Paula Alzugaray e Bate papo Antony Gormley por Nina Gazire originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 4 de maio de 2012.
Quando foram instaladas em Manhattan, há dois anos, as 31 esculturas de homens nus em ferro fundido que compõem a obra “Event Horizon” desafiavam as alturas e os skylines da cidade de Nova York. O britânico Antony Gormley esculpiu essas figuras humanas a partir da modelagem do próprio corpo. Agora, elas serão instaladas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, como parte da programação de “Corpos Presentes – Still Being”, a primeira exposição individual de Gormley no Brasil. “Não consigo pensar em trabalho melhor para o espaço público de São Paulo do que ‘Event Horizon’. Esse é o meu melhor trabalho, no sentido de que ele provoca nas pessoas a consciência do ambiente.
A distribuição dos corpos pela cidade será incrível”, disse o escultor à Istoé durante a montagem do trabalho.
Aos 61 anos, Antony Gormley é um dos mais célebres e conceituados escultores em atividade. Seus trabalhos exploram a relação do corpo humano com os espaços que ele habita, criando desde esculturas intimistas até megainstalações em escala monumental. “Sua obra tem uma dimensão ao mesmo tempo industrial e artesanal. É um trabalho altamente tecnológico, que começa com a produção manual de moldes e termina com cortes a laser”, afirma o curador Marcello Dantas. “Seu trabalho não é sobre o corpo, mas sobre como o corpo é posicionado no espaço”, continua ele. Ao trabalhar com a figura humana, Gormley costuma partir da modelagem do próprio corpo, para depois fragmentá-lo em cubos de aço inoxidável – em “...” –, ou multiplicá-lo em 60 sólidas figuras de ferro – como ocorre em “Critical Mass”.
Seja em concreto, aço inoxidável, alumínio, borracha, arame, terracota, ou até pão e cera, os supercorpos construídos por Antony Gormley são maneiras diversas de o artista pensar as relações do homem com a arquitetura. “Em 2050, 70% dos humanos viverão em cidades. Fico me perguntando se nossas casas são o nosso segundo corpo” afirma Gormley, que, além das 11 esculturas, vídeos, maquetes e fotografias expostas no CCBB, concebeu oito novos trabalhos para a mostra “Facts and Systems”, que inaugura em São Paulo, na quarta-feira 9 (leia quadro). “São oito esculturas feitas de aço que usam a linguagem da arquitetura para reescrever o espaço do corpo humano”, diz.
Bate papo Antony Gormley
Por Nina Gazire
Event Horizon é um projeto de arte pública desenvolvido para a cidade de Londres, mas que já foi mostrado em Nova York e agora chega a São Paulo. O trabalho sofrerá alguma adaptação para ser mostrado na cidade? Qual é sua expectativa?
Decidimos desde o início que todos os trabalhos da mostra deveriam ser balanceados dentro e fora, em espaços fechados como os do CCBB ou na rua como os que estarão no Anhangabaú. Todo o espaço da cidade estava envolvido de alguma maneira. Não consigo pensar trabalho melhor para o espaço público de São Paulo do que Event Horizon. Acho que esse é o meu melhor trabalho, no sentido de que ele provoca nas pessoas a consciência do ambiente, do entorno. Acho que a distribuição dos corpos pela cidade será incrível. São Paulo é uma megalópole, mas é diferente de Londres e Nova York, onde este trabalho já foi mostrado antes. Não consigo imaginar qual será reação das pessoas. Quando faço um trabalho, dificilmente tento adivinhar como o público reagirá a ele. Eu gosto do elemento surpresa, acho que o resultado de Event Horizon em São Paulo é imprevisível.
Você também desenvolveu novos trabalhos especialmente para uma mostra paralela em espaço da galeria londrina White Cube em São Paulo. Como foi o processo de criação para essa exposição?
Desenvolvi oito novos trabalhos especialmente para esta exposição inédita que se chama Facts e Systems. Ela será num antigo estacionamento que transformamos em galeria, na rua Agostinho Rodrigues, em São Paulo. As obras foram feitos especialmente para a cidade de São Paulo. São oito esculturas feitas de aço que usam a linguagem da arquitetura para descrever ou reescrever o espaço do corpo humano. Todos nós vivemos em cidades agora, 70% dos humanos viverão em cidades no ano de 2050. Fico me perguntando se nossas casas são uma espécie de extensão do nossos corpos e de que maneira o corpo passou a usar a linguagem arquitetônica. As obras denominadas “fatos” seriam esse tipo de arquitetura aplicada ao corpo e os “sistemas” seriam os esquemas que criamos para criar formas de comunicação do corpo com o ambiente urbano. Estou falando dessa condição humana, da condição de São Paulo, ou qualquer cidade grande. Estou falando de conexão. Usamos todas essas ferramentas, mídia sociais, celulares e pensamos que estamos conectados uns com os outros. Mas na verdade estamos nos afastando, essas ferramentas te dão uma voz, mas não um corpo. Você fica em contato, mas não em tato. Porém, não estou dizendo que isso é ruim. A questão é que nos tornamos conectados e estamos cada vez mais desincorporados, sem contato físico.
Ao longo de sua carreira você sempre deu ênfase ao corpo humano. Porque há predominância da figura humana em suas esculturas e seus desenhos?
Estou interessado no espaço e no modo como vivenciamos isso. Penso no corpo como um espaço. Quando fechamos nossos olhos temos a sensação de estar em outro lugar, mas não estamos. Esta experiência não é definida pela perspectiva, ou pelas ideias medidas ou de distâncias, é um espaço aberto. Estou falando com você agora por telefone e estou com os meus olhos fechados e isso faz com que eu tenha a sensação de estar em outro lugar. Mas este outro lugar não é dado da mesma maneira o espaço define formas e objetos, ele infinito não tem fronteiras. É apenas a escuridão do corpo, é como o céu a noite, não possui limites. O que eu tento fazer é colidir essa dialética entre o corpo e o espaço físico. O verdadeiro espaço humano, vai além do corpo, está na consciência humana e reinventar essa experiência indo além da mera aparência do corpo é o que tenho tentado fazer no meu trabalho.
Na ocasião da ECO92, no Rio, você criou o trabalho Amazon Field com a ajuda de comunidades da região de Porto Velho. Como foi essa experiência?
Infelizmente, desde 1992 não fizemos um progresso relevante nas questões do meio ambiente. Acho que naquele ano havia uma grande esperança em iniciativas como esse encontro, em começarmos a pensar na justiça social e em maneiras de explorar o sustento sem a exaustão de recursos e danos ao meio ambiente. Hoje todo mundo fala da crise econômica da Europa e tanto os EUA quanto a China boicotaram todas as tentativas reais de negociação para a políticas ambientais, no último encontro de Copenhagen. O trabalho realizado na Amazônia é um gesto simbólico do que podemos fazer se unirmos as forças, pois essa é uma questão que pertence a todos nós. E a verdade é que, até o momento, o que temos feito não foi suficiente.