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abril 30, 2012
Retrospectiva de Damien Hirst em Londres tem morte, fetiche e souvenir de R$ 100 mil por Roberto Almeida, Opera Mundi
Retrospectiva de Damien Hirst em Londres tem morte, fetiche e souvenir de R$ 100 mil
Matéria de Roberto Almeida originalmente publicada no Opera Mundi em 28 de abril de 2012
Exposição do artista britânico fica até 9 de setembro no Tate Modern; depois, vai levar seus holofotes para o Catar
A retrospectiva de Damien Hirst na Tate Modern, em Londres, revela mais do que a obra do artista plástico mais celebrado e polêmico do momento. Ela expõe também, entre filas de visitantes e souvenires de até R$ 110 mil, as cifras gigantescas que envolvem a arte contemporânea. A mostra, que fica na capital britânica até 9 de setembro, tem patrocínio do governo do Catar. Em 2013 ela vai para Doha, capital do rico e controverso emirado, em mais uma façanha inédita da ilhota com apenas 1,5 milhão de habitantes, que já vai sediar a Copa do Mundo de 2022.
Levar Hirst para o Catar é levar boa parte do burburinho do mundo da arte para o golfo. O britânico, que vive na corda bamba entre a genialidade e o status de grande marqueteiro, reúne hordas de fãs e críticos. Mas, acima de tudo, ele gera mídia. Pelo menos uma centena de jornalistas se acotovelava na entrada da exposição na Tate Modern, logo antes de sua abertura, no início de abril. Na visita guiada com a curadora da exposição, Ann Gallagher, formou-se uma parede de câmeras TV e fotógrafos, em cena digna de visita de chefe de Estado.
“Aqui em Londres, essa exibição de um artista britânico, patrocinada por uma instituição árabe e instalada em uma estação de energia transformada (em museu) por arquitetos suíços, faz-nos lembrar que vivemos hoje em um mundo verdadeiramente global, e que a diversidade nos fará mais fortes e nos deixará mais próximos”, argumenta Chris Dercon, diretor da Tate Modern, no catálogo da exibição, em exemplo de diplomacia esquiva.
Com a ida das obras de Hirst para o Catar, seu trabalho ficará durante um tempo circunscrito ao emirado. Destino interessante para a retrospectiva do artista britânico, que tanto investiu por na fetichização da morte. Sua obra mais famosa, “For the Love of God”, é um crânio do século XVIII incrustado com 8.601 diamantes, produzido ao custo de 50 milhões de libras esterlinas (ou R$ 150 milhões). A criação explodiu em 2007, após primeira exibição na White Cube gallery, em Londres, e foi arrematada logo em seguida pelo dobro do preço por um grupo de investidores.
No formol
For the Love of God é a estrela da exibição na Tate Modern, e é exatamente outro crânio, parecido com esse – sem os diamantes - que causou estranhamento ao ser vendido como souvenir por R$ 110 mil na lojinha de presentes do museu. Hallucinatory Head é uma caveira de plástico, pintada em cores fortes, com a assinatura do autor. É a campeã de preços, logo à frente de um jogo de pratos por R$ 30,8 mil, um skate de R$ 1,5 mil e um guarda-chuva com R$ 600 na etiqueta. Para um país em crise e entrando em recessão, não demorou e as cifras viraram piada nas capas dos principais jornais britânicos.
Talvez a piada de Hirst seja exatamente essa. Márcia Fortes, da Galeria Fortes Vilaça, que o conhece pessoalmente desde 1993, já revelou há algum tempo que o artista britânico dizia morrer de vontade de fazer um “trabalho de merda” e “ganhar um monte de dinheiro” por ele. Piada ou não, a exposição é um sucesso, com filas diárias para compras de entradas. É preciso agendar para percorrer os longos salões do museu.
Hirst mostra-se provocador com seu tubarão de cinco metros no formol (The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living, 1991, FOTO ACIMA), sua mandala de moscas mortas (Black Sun, 2004) e a série de prateleiras de remédios, do final dos anos 1980. Ele ainda cria encantamento com as bolas flutuantes e com a série de borboletas. Destaque para a sala climatizada com casulos nas paredes brancas, flores e frutos, reproduzindo a natureza em um cenário artificial. O flerte com a morte e a riqueza, vícios e desajustes, é presente a todo momento.
“Você manipula o visitante a achar que você está dizendo uma coisa, mas você está revelando uma coisa que eles já têm. É mágico”, diz Hirst, 46 anos, no catálogo da exibição. “O ponto crucial, ou melhor, a pergunta é: e se a gente levasse a sério a noção, que talvez possa parecer peculiar depois de duas décadas de celebridade, que o trabalho de Hirst é genuinamente chocante?”, pergunta a curadora Ann Gallagher. Só descobre quem passa por lá – e sai pela lojinha de presentes.
Damien Hirst
Tate Modern
Até 9 de setembro
Entrada: 14 libras (R$ 42)
www.tate.co.uk
O museu sugere comprar o bilhete online com pelo menos três dias de antecedência.