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abril 24, 2012
Ministra da Cultura diz que direito de artistas deve ser preservado por André de Souza, O Globo
Ministra da Cultura diz que direito de artistas deve ser preservado
Matéria originalmente publicada por André de Souza no jornal O Globo em 24 de abril de 2012.
‘Não sou presa ao passado, sou presa ao direito conquistado’, diz Ana de Hollanda
BRASÍLIA - No dia em que o Senado apresenta oficialmente o relatório da CPI do Ecad (Escritório Central de Direitos Autorais), a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, fez uma defesa entusiasmada da política de direitos autorais que conduz à frente do ministério. Ela reconheceu que é preciso pensar no consumidor, mas que isso não pode ser desculpa para abrir mão dos direitos dos artistas. A ministra também se disse assustada com campanhas que, ao seu ver, significam um retrocesso nesse campo.
- É um direito à dignidade, à dignidade como profissional, como ser humano, de ter seu trabalho reconhecido. De ser reconhecido como profissional, como pessoa séria, como pessoa que cria. O direito é dele. Isso está na Constituição brasileira - afirmou a ministra nesta terça-feira durante audiência na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado. - O Ministério da Cultura vai sempre defender os direitos autorais. Muitas vezes me acusam de ser presa ao passado. Eu não sou presa ao passado, eu sou presa aos direitos conquistados com muita dificuldade - acrescentou.
A apresentação do relatório final da CPI do Ecad está prevista para esta tarde, mas já é possível ter acesso ao texto no site do Senado . O relatório final será votado na quinta-feira e apresentado à Procuradoria Geral da República (PGR), à Casa Civil e ao Ministério da Justiça.
A ministra foi convidada há um mês pela CE para explicar as suspeitas de favorecimento ao Ecad em processo movido contra a instituição pelo Cade (Conselho de Defesa Econômica). O Ecad é responsável por recolher e pagar o direito autoral de todos os músicos do país. Após o fim da reunião, em entrevista à imprensa, a ministra preferiu não opinar a respeito do escritório, dizendo que o órgão não tem ligação com a pasta. O Ecad é uma entidade civil privada.
Já o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), presidente da CPI do Ecad, avaliou como insuficientes as explicações dadas pela ministra. Ele afirmou nesta terça-feira, após participação na audiência na CE, que considera o Ecad uma caixa-preta e defende mais transparência. Para isso, ele é a favor da criação de uma Secretaria do Direito Autoral e de um Conselho Nacional dos Direitos Autorais no âmbito do Ministério da Justiça, conforme é proposto no relatório da CPI. Mas Ana de Hollanda prefere que tais órgãos fiquem ligados ao Ministério da Cultura (Minc) e afirmou inclusive que já está sendo preparado projeto de lei nesse sentido.
- Se o Ministério propôs junto à Casa Civil fosse de fato um órgão regulador da política de direito autoral, um órgão que estabelecesse os preços da política de direito autoral no Brasil e deixasse ao Ecad única e exclusivamente o papel que já tá no nome do Ecad: arrecadar e distribuir os recursos de direito autoral no Brasil. Eu não ouviu aqui as respostas de como será esse órgão que está proposto no projeto de lei de direito autoral encaminhado pelo Ministério da Cultura à Casa Civil. E nós, da CPI, entendemos que órgão deve ser vinculado ao Ministério da Justiça e não ao Ministério da Cultura - disse Randolfe.
Ana de Holanda evitou falar da CPI:
- Sinceramente, eu não vou ficar tirando conclusões, me posicionando a favor ou contra. É uma pauta do Congresso, não do Ministério a Cultura. Eu quero deixar bem claro isso.
Durante a audiência no Senado, a defesa entusiasmada que a ministra fez em favor dos direitos autorais levou um grupo de servidores do ministério presentes na audiência a bater palmas, em sinal de aprovação à ministra, mas foram repreendidos pelo presidente da comissão, o senador Roberto Requião.
- Se isso acontecer outra vez, eu vou manter os senadores, e vou evacuar a sala - disse Requião.
A ministra apresentou ainda as ações do ministério e as diretrizes para 2012. E, sem citar o nome, aproveitou para alfinetar o seu antecessor, o ex-ministro Juca Ferreira, que em março classificou como um desastre a gestão da sucessora. Segundo Ana de Hollanda, ela herdou um quadro de grande atraso nos investimentos nos pontos de cultura. A ministra diz que apenas agora está voltando ao patamar do ex-ministro Gilberto Gil, que comandou a pasta entre 2003 e 2008, antes de Ferreira.
Segundo o site do Ministério da Cultura, os pontos de cultura "são iniciativas que envolvem comunidades em atividades de arte, cultura, educação, cidadania e economia solidária", que recebem R$ 185 mil reais do governo federal em cinco parcelas semestrais "para potencializar suas ações com a compra de material (principalmente equipamento multimídia) ou contratação de profissionais, entre outras necessidades".
No sábado, o GLOBO adiantou o conteúdo do relatório da CPI. O documento se divide-se em duas partes: uma punitiva e uma propositiva. Na primeira parte, a CPI determina que a cúpula da entidade e os dirigentes das associações que a compõem sejam alvo de 21 indiciamentos. Entre os crimes apontados pelos presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), e pelo relator, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), estão apropriação indébita de valores, fraude na realização de auditoria, formação de cartel e enriquecimento ilícito.
Na segunda parte do relatório, que tem 350 páginas e três mil documentos anexados, a CPI apresenta um novo projeto de lei que tira do Ministério da Cultura (MinC) e leva para o Ministério da Justiça (MJ) todas as questões relativas à gestão dos direitos autorais no país. A CPI propõe ainda a criação de um portal de transparência, reunindo todas as informações referentes a receitas e despesas das entidade de direito autoral, num modelo semelhante ao que a Controladoria Geral da União (CGU) faz com os gastos públicos hoje em dia.
O Ecad respondeu nesta terça-feira a alguns dos pontos levantados no relatório da CPI. O escritório afirma que os grandes valores distribuídos no ano passado aos artistas chamaram atenção, e que levaram à criação da CPI, tirando o foco do papel do órgão, que é econômico, e não político. A entidade aponta que algumas das acusações já foram afastadas pelo Ministério Público, como as de criação de cartel. Eles negam também que o pagamento de distribuição de lucros esteja ocorrendo de forma ilegal.
“O Ecad atendeu a todos os convites para prestar esclarecimentos nas diversas audiências e entregou toda a documentação requerida pela CPI. Fez ainda convite aos membros da CPI para que verificassem in loco suas atividades diárias. Esse convite não foi aceito. Por todos esses motivos, o Ecad entende que durante os trabalhos da CPI não foi identificada qualquer irregularidade na arrecadação e distribuição de direitos autorais que justifique o indiciamento de dirigentes”, afirmou o Ecad, em nota.