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abril 17, 2012
Arte do cotidiano revelada por Adriana Martins, Diário do Nordeste
Arte do cotidiano revelada
Matéria de Adriana Martins originalmente publicada no Caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 17 de abril de 2012.
A partir da releitura da relação entre corpo e objetos do dia a dia, o artista Nino Cais montou a exposição "Ficções"
O artista Nino Cais fotografado na série com malhas: material tencionado no corpo forma "esculturas" e propõe novos significados. Foco é na "poesia" dos materiais Fotos: Marcelo Amorim/Divulgação
Um olhar de estrangeiro. Na verdade, praticamente de extraterrestre, capaz de se surpreender e enxergar poesia naquilo considerado banal pelos "nativos". É essa a reflexão proposta na exposição "Ficções", do artista visual paulista Nino Cais, que estreia hoje no Centro Cultural Banco do Nordeste.
O projeto chega a Fortaleza após ser aprovado em edital da instituição, por iniciativa da curadora Carolina Soares, que morou na capital cearense e já conhecia o trabalho de Cais. "Ficções" traz séries de fotografias e instalações nas quais o autor apropria-se de objetos do cotidiano para construir as obras e, a partir daí, conferir-lhes novos significados.
Em parte dos trabalhos, Cais usa o próprio corpo como suporte, para criar espécies de "esculturas". O resultado dos experimentos é registrado e fotografias que compõem a mostra. Malhas, balões e outros objetos são utilizados. "Também poderiam ser xícaras, luvas, qualquer objeto do cotidiano. Se morasse em lugar próximo à praia, talvez trabalhasse com areia, por exemplo. Crio à medida que esbarro com as coisas", ressalta.
O artista cita Clarice Lispector para melhor explicar a proposta. "Em um de seus textos, ela fala que o ovo é tão óbvio que não o vê. É nesse sentido que me inspiro, o de ir além da obviedade das coisas e enxergá-las com um novo olhar, fazer uma outra leitura", observa.
Segundo Cais, ao longo da história da arte, figuras e temas "concretos" (no sentido oposto ao abstrato, a exemplo de paisagens e retratos) e técnicas tradicionais como pintura e escultura guiaram a construção da percepção e da experiência sensível humana. Por isso a desconfiança inicial ao se deparar com uma obra contemporânea, cujos significados são menos explícitos. Provavelmente, é esse o sentimento inicial diante de uma das instalações, na qual baldes e bacias de plástico são encaixados em hastes compridas e presos ao teto.
O resultado assemelha-se à uma "floresta de plástico", um outro universo no qual o os objetos coloridos são reorganizados de maneira poética e, assim, ressignificados - sem deixar de desconcertar o espectador e lhe sugerir reflexões, pois continuam sendo baldes e bacias, com funções cotidianas bastante diferentes da artística.
Poesia
A discussão não é inédita. Em 1917, o pintor e escultor francês Marcel Duchamp suscitou-a de maneira pioneira ao enviar um urinol de porcelana a um concurso de arte, com o objetivo de questionar as "regras" do fazer artístico, o que e quem o define. "Mas não estou propondo esse tipo de confronto, que não é novidade para parte do público. Minha esfera é prioritariamente poética, de nova leitura do cotidiano, a partir das cores, das formas", explica Nino Cais.
A relação que temos com os objetos também é relevante no trabalho do paulista. Não por acaso, ele escolhe objetos do dia a dia. "Nosso corpo se relaciona com o entorno, ao esbarrar com esses objetos e mudar a relação que tenho com eles, posso construir ficções. Por isso o nome da mostra", complementa Cais.
O material é escolhido à medida que o processo ocorre, nas andanças do artista pela cidade, pelos espaços. "Quando montei parte dessa exposição era época de São João. Em São Paulo, moro em Pinheiros, onde há muitas lojas que, na ocasião, vendiam balões. Daí a presença deles em uma das séries", recorda.
Em Fortaleza, alguns objetos já inspiraram Cais. "Descobri um apetrecho para limpar peixes que não conhecia, com formato interessante, tipo uma escova de madeira. Também nunca tinha prestado atenção na beleza de uma sela de cavalo, incrivelmente bem confeccionada. Comprei os dois, devo incorporar em algum momento ao meu trabalho", revela.
Após pensar as "esculturas" com os objetos e seu corpo, Cais solicita a algum amigo ou artista que registre a obra. "Atuar como performer não tem muito minha da minha característica, prefiro contar sobre a obra a partir de imagens. Assim a experiência se congela, como quando um escultor termina de trabalhar na pedra. Por isso chamo essas imagens de ´escutóricas´", esclarece o artista.
Além da exposição, o CCBNB também recebe nesta semana (quinta, 19) o artista visual Efrain Almeida (CE/RJ) e o professor e curador Marcelo Campos (RJ), que se encontram para conversar e refletir sobre arte. O evento, chamado "Encontro com Artistas", é realizado em parceria com o Centro de Artes Visuais de Fortaleza, da Prefeitura Municipal.
O objetivo é apresentar ao público a trajetória de artistas de referência no circuito nacional de artes e estabelecer um olhar crítico sobre a produção artística contemporânea. O primeiro encontro foi com o artista cearense Eduardo Frota, cujo conteúdo já está disponível, na íntegra, no canal do CCBNB no You Tube (youtube.com/centroculturalbnb). No final do encontro, acontece lançamento de livro de Almeida.