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abril 10, 2012
As novas interfaces entre arte e tecnologia por Carlos Albuquerque, O Globo
As novas interfaces entre arte e tecnologia
Matéria de Carlos Albuquerque originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Globo em 10 de abril de 2012.
Festival Internacional de Linguagem Eletrônica reúne 150 trabalhos de 11 países e tem pela primeira vez uma seção para tablets
RIO - Prestar atenção é uma arte. Ao menos no trabalho “Elucidating feedback”, do americano Ben Jack. Um dos destaques do Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (File) — que começa hoje, às 11h, no Oi Futuro Flamengo —, a instalação interativa tem um dispositivo que lê as ondas cerebrais do público, permitindo que suas texturas de áudio e vídeo se modifiquem e se intensifiquem à medida que a pessoa se concentra e “lê” o que está vendo. Pouca atenção, entretanto, vai gerar apenas estática, numa espécie de ócio não criativo.
— O conceito desse trabalho é criar uma nova forma de comunicação, usando a mente como uma ferramenta para modificar imagens e sons, o que, para mim, sempre pareceu uma coisa de ficção científica — conta Jack. — Sabemos que, quanto mais observarmos o nosso ambiente, mais vamos descobrir sobre ele. O resultado desse processo é a criação de uma experiência rica em detalhes, que nós tentamos reproduzir como se estivéssemos num universo paralelo.
‘Momento único’
O estranho e fascinante mundo de Jack virtualmente reflete o momento do festival. Criado em 2000 e com edições em São Paulo e Porto Alegre, ele acontece no Rio desde 2006, num painel que pretende mostrar o que há de mais criativo e inovador na interseção entre arte e tecnologia. A edição de 2012 do File vai reunir, até 13 de maio, 150 trabalhos de artistas de 11 países, incluindo, pela primeira vez, uma seção dedicada às plataformas móveis, o File Tablet. Nela, o público vai poder interagir com aplicativos como o “Singing fingers”, de Jay Silver e Eric Rosenbaum, que une pintura e música; e “Gravilux”, criação de Scott Snibbe — o mesmo que trabalhou com Björk no disco/aplicativo “Biophilia” —, que permite desenhar estrelas com o toque dos dedos.
— O nosso objetivo é mostrar as novas interfaces e os novos modelos de unir arte e tecnologia — afirma Ricardo Barreto, um dos criadores do File, ao lado de Paula Perissinotto. — O festival foi evoluindo junto com os avanços tecnológicos, e estamos sempre tentando mostrar quais os impactos que essa evolução tem trazido para a arte.
Além da interface cérebro-computador de “Elucidating feedback”, o File vai apresentar trabalhos como “Beatvoz”, do japonês Yuri Suzuki. Trata-se de uma instalação que permite que uma pessoa controle as peças de uma bateria com sua própria voz.
— Vivemos um momento no qual o conceito de especialista está em declínio, já que há um cruzamento muito grande entre os formatos e as linguagens — diz Barreto. — É uma outra mentalidade, que vai ganhando força em outros formatos e plataformas.
Uma dessas plataformas, talvez a principal delas, é o iPad, que ganhou, por isso mesmo, uma espaço só seu dentro da programação do File. Serão dez tablets disponíveis para a interação com o público.
— O aspecto touch do tablet propõe uma nova forma de interagirmos com a tecnologia e com a própria máquina — afirma a curadora do File Tablet, Maria Eugênia Mourão. — Buscamos exibir uma amostragem do melhor que tem sido feito nessa área, longe de preocupações comerciais, como é o caso de “Singing fingers” e de “Mugician”, de Rob Fielding, que revoluciona a forma como nos relacionamos com um teclado musical, tocando-o de modo totalmente novo.
Um dos criadores do aplicativo “Singing fingers”, Jay Silver diz que se inspirou nos grafites de rua para gerar a obra, através da qual a pessoa pode gravar sons e transformá-los em desenhos interativos.
— Sempre sonhamos fazer essa interação entre o grafite, ou simplesmente o desenho, e os sons, mas não foi nada fácil transformar isso em realidade — conta Silver. — Foram várias tentativas frustradas com os computadores pessoais. Só conseguimos chegar a um resultado satisfatório com o surgimento do iPad. Ele se revelou a plataforma perfeita para que tudo se combinasse: a gravação, o desenho e o toque interativo. É incrível imaginar o que vamos poder criar a partir de agora, com a evolução e a disseminação dos tablets.
O raciocínio é seguido pelos criadores do File, que consideram um possível aumento do espaço dedicado aos tablets nas próximas edições do festival.
— Há uma quantidade incrível de artistas migrando para eles, encontrando ali uma fantástica forma de expressão, que também permite que seu trabalho seja remunerado — conta Barreto. — Vivemos um momento único na arte digital.S