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abril 5, 2012
Sobre o barro do Rio por Fabiana Marques, Diário do Nordeste
Sobre o barro do Rio
Meia tonelada de barro recobre a galeria do CCBNB na exposição "Rito", da artista plástica Sabyne Cavalcanti
Matéria de Fabiana Marques originalmente publicada no Caderno 3 do Diário do Nordeste em 5 de abril de 2012.
Sujar os pés, as meias ou o sapato, ficar de fora observando ou tentar outra opção com os organizadores... Já na entrada, a exposição "Rito", da artista plástica Sabyne Cavalcanti, desafia o público: como se relacionar com a meia tonelada de barro que recobre a galeria de exposição do Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB)? Inaugurada na última terça-feira, dia 3, a mostra reúne obras cunhadas com barro, ferro e capim, dispostas sobre um ambiente que é também cria da artista. Há cinco anos ela reside entre as louceiras do município de Cascavel (há 64 km de Fortaleza).
Em dez anos criando e experimentando matérias primas em seu estado mais bruto, como o barro e a pedra, lançando mão ainda de elementos como a ferrugem e mesmo de gramas vivas, Sabyne já compôs obras como a Casa Oca, exposta na Praça Verde do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, onde anéis em diferentes níveis eram escavados na terra ao passo que eram postos em relevo ao lado recobertos de grama.
Individual
Desta vez, em sua primeira individual, ela intervém no espaço tradicional da galeria, acostumada a ambientes amplos e abertos, modificando a dinâmica e a caracterização do salão. "Ela age não só no museu mas age sobre o tempo do museu. Isso que é mais importante. O museu convencional, no máximo, pinta as paredes para receber quadros. Aqui está cheio de areia, um monte de areia que chega pra que? Para nada, não vai construir nada", problematiza o curador da exposição, Solon Ribeiro.
Espalhado ainda um pouco mole sobre o piso do CCBNB, o barro compõe com imensos anéis de ferro uma realidade áspera, seca, "árida como está o tempo em que vivemos", como compara Sabyne, que ao longo dos dias da exposição será experimentada pelo público que a visita.
O museu é transformado em um laboratório de experimentação pela artista, pelos cuidadores da galeria e pelo público. "O que a gente chamava de público é agora, pelo menos, um participador. O estatuto do antigo público muda. Ele vai ter que optar", argumenta o curador, sobre a impossibilidade do público se manter neutro diante da questão que lhe é posta. "O público quando chega não é para contemplar, chega para viver", completa Solon.
Louceiras
Tanta terra se justifica. Em contato estreito com a arte das louceiras de Cascavel e mais intensamente de Beberibe, Sabyne transporta para a galeria o elemento essencial na vida dessas comunidades e dá forma a uma nova paisagem. "Trazendo o barro, eu trouxe o Rio Choro (Beberibe) e o Rio Mal Cozinhado (cascavel). Com essa constância de estar lidando com esse material, me surgiu de criar esse espaço", ilustra. Em uma sala, o chão foi recoberto com ramos de capim santo e citronela, completa a artista, na intenção de transportar o cheiro que lhe remete às comunidades.
Sabyne vive desde 2007 em Cascavel, onde fixou residência na comunidade de Moita Redonda, principal polo de artesanato em cerâmica da município, onde há gerações são produzidos potes, jarros, esculturas e outros utensílios. Após uma pesquisa feita junto às "senhoras do barro", Sabyne passou a trabalhar em um ponto de cultura da região. Em 2010, foi contemplada com o Prêmio "Interações Estéticas - Residências Artísticas em Pontos de Cultura", que a permitiu intensificar suas pesquisas junto a comunidade.
"Trabalhei a cor, a paisagem local, o grafismo deles, fiz gravuras utilizando a matriz em barro (impressas no papel em processo semelhante à xilogravura). O prêmio fortaleceu mais o meu convívio", conta. O "Rito" que dá título a exposição, explica, é experimentado nesta vivência cotidiana com as louceiras, na partilha dessas atividades para a criar com o barro.
Desafio
Uma semana atrás, o CCBNB começou a receber o barro de Cascavel e Beberibe, dois polos produtores de louça no Estado, sempre no período da noite. "A gente aceitou a exposição desta forma porque acredita que aqui é um espaço de experimentação também. Tanto em relação ao artista como o publico que pode experimentar outra forma de relação com a obra", ressalta a coordenadora de Artes Visuais do CCBNB, Jacqueline Medeiros.
As mudanças no cotidiano da casa, conta, começam pela montagem, quando é contratada uma mão de obra especializada para preparar o espaço. "Neste caso, é necessário força para o montador espalhar o barro. Exige outro perfil de equipe. O horário de montagem, o cuidado com o manuseio do barro, do pó, tudo é diferente", ilustra Jacqueline Medeiros.
E o esforço extra não para por ai. Sabyne propôs mudanças estruturais como, por exemplo, a retirada de uma parede do acabamento da galeria, expondo o concreto da estrutura. "O BNB também está ousando, na medida em que ele aceita. Qual o outro espaço desse no Brasil que aceitaria isso?", questiona Solon, respondendo ele mesmo que são poucas as iniciativas e espaços de arte no Brasil dispostos a mudanças como estas. "E quando a exposição terminar, será mais uma semana para retirar o barro", lembra.
Mais informações:
Exposição "Rito", individual de Sabyne Cavalcanti, em cartaz até o dia 12 de maio no Centro Cultural BNB (rua Floriano Peixoto, 941 - Centro). Mais informações: (85) 3464.3108)
FÁBIO MARQUES
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