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março 30, 2012
Narcélio Grud em constante mutação por Dalviane Pires, Diário do Nordeste
Narcélio Grud em constante mutação
Matéria de Dalviane Pires originalmente publicada no Caderno 3 do Diário do Nordeste
Em Etério, que abre, hoje, no Sobrado Dr. José Lourenço, o artista inquieta com obras feitas a partir da areia
Areia que vira barro que vira tijolo que vira arte. Areia misturada, aquecida, resfriada, moldada em vidro para também se transformar em arte. O artista Narcélio Grud, que abre, hoje, às 19h, a exposição Etério, no Sobrado Dr. José Lourenço, não está muito preocupado em conceituar sua obra. Grud está mais interessado em experimentações que sirvam para que ele se reconheça - ou não - em determinadas linhas de criação artística. "Não quero explicar muito. Quero que as pessoas vejam e sintam as obras", diz o artista sobre a primeira mostra individual da carreira.
A mesma liberdade que Grud defende para os olhares diante de sua arte exercita ele próprio durante a criação. Coloca a mão na massa, faz testes com o que planejou, recusa originais. Ora acerta, ora erra, mas não se limita a achar que tudo funciona em uma exposição. Cita exemplos de peças pensadas para Etério que ao serem executadas não ficaram boas. "É um processo muito intuitivo. Vou percebendo o que é do design, o que é da cenografia e o que é, de fato, uma obra de arte. É necessário um crivo, um equilíbrio", diz Grud.
O personagem risonho "sem nome, sem sexo, sem boca" que acompanha outras obras de Grud também está presente em peças de vidro, sempre deixando para o visitante a interpretação final. Em uma das salas, casulos, espelhos e a sensação de encontrar o final do arco-íris. Chama a atenção uma moldura grossa, de madeira, que cerca delicados desenhos pintados em tampinhas de refrigerante. A moldura, que foi encontrada por Grud na rua, guarda um pouco da sensibilidade do artista. Em Etério, Grud teve sua primeira experiência com barro queimado. Os tijolos longos, curtos, cortados que compõem uma "parede viva" foram feitos pelo artista em uma olaria distante aproximadamente 80 quilômetros de Fortaleza.
Com jeitinho, conseguiu autorização para usar o local para produzir os tijolos personalizados, muitas vezes diante dos olhares curiosos e apressados dos trabalhadores do lugar.
O olhar
A rua está sempre presente em seu trabalho. O spray permanece essencial para o artista que ficou conhecido pelos grafites e intervenções urbanas. Ele conta que inicialmente os tijolos ficaram cinzas, "prateados", e que não combinavam com o pensamento inicial da obra. Usou um spray para deixá-los com uma cor padrão, alaranjados. Antes da montagem, Grud foi ao Sobrado Dr. José Lourenço fazer uma espécie de "reconhecimento do espaço". Tirou várias fotos, mas de tão inquieto e de acelerado pensamento, não chegou a ver tais fotos e estudar o que ficaria melhor em cada local. Apostou no olhar panorâmico do artista e disse que durante a montagem saberia o que poderia ou não mudar de lugar.
Narcélio Grud reconhece a importância do trabalho de Dodora Guimarães para a realização de Etério. Conta que os diálogos com a curadora foram fundamentais para aprimorar o próprio trabalho. A aproximação de Dodora e Grud começou antes mesmo dele saber. "Soube do Grud pelos "cabeções" (uma intervenção urbana onde o artista, inicialmente anônimo, pintou as caixas de telefonia com rostos coloridos). Fiquei acompanhando, plugada no artista, vendo o que ele teria a dizer a partir dali", recorda Dodora.
Como parte desse acompanhamento, Dodora viu o trabalho de Grud também no Centro Dragão do Mar. Por lá, esculturas sonoras colocadas em um espaço conhecido como Arena Dragão do Mar atraíam visitantes, sinalizando mais uma importante invenção do artista.
No ano passado, Grud foi convidado para levar uma dessas esculturas sonoras para fazer parte de uma "exposição relâmpago" do Sobrado chamada "Com o Ceará no Coração". Mais tarde participou de um seminário que discutia arte e mercado, onde apresentou um portfólio a Dodora. "Aí vi a obra dele de forma mais completa. Só me interesso por "artista inventor" e o trabalho do artista é correr risco, experimentando o caminho próprio", diz a curadora, que percebe na arte de Grud provocação e inquietação.
Projetos futuros
Etério fica em cartaz até dia 20 de maio, mas, em abril, em homenagem ao aniversário de Fortaleza, Grud vai colocar em diferentes pontos da cidade o que chama de "escultura sonora pública". O projeto será possível por meio do edital da Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor).
Ainda neste semestre Grud apresenta mostra de esculturas sonoras também no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB).
Do futuro, Nárcelio Grud, que ganha a vida como cenógrafo e designer, quer viver da arte. "Quero passar meu tempo, da hora que acordo a hora que vou dormir, pensando na minha criação e não no mercado", finaliza.
Sobrado ganha também uma exposição de quadrinistas
Em paralelo a exposição Etério, o Sobrado Dr. José Lourenço abre também, hoje, às 19h, a mostra Desenhomatic LTDA, de dois nomes do underground gráfico brasileiro: Jaca e Fabio Zimbres. Os quadrinistas e ilustradores apostam na convergência de seus trabalhos, por meio do desenho, pensado como força automática, autônoma, nesta primeira mostra conjunta que promete a quebra do silêncio das paredes do espaço.
A exposição reúne a produção recente dos dois artistas, apresentadas, em 2011, nas cidades de São Paulo e Porto Alegre. No Sobrado Dr. José Lourenço o visitante poderá ver também obras resultantes de suas residências no local.
Amanhã, às 15h, o Sobrado promove uma oficina de desenhos de Fabio Zimbres. Exercícios com colagens e transparências, com destaque para o modo de produção manual. A entrada é franca tanto para exposição quanto para a oficina.
Mais informações:
Abertura de Etério, de Narcélio Grud, hoje, às 19h, no Sobrado Dr. José Lourenço (Rua Major Facundo, 154, Centro). Na ocasião, show de Paula Tesser e Edmundo Júnior. Visitas de terça a sexta, das 9h às 19h. Aos sábados, das 10h às 19h e, aos domingos, das 10h às 14h. Em cartaz até 20 de maio. Entrada franca. Contato: (85) 3101.8827.