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março 30, 2012
Forrest Bess em dose dupla por Juliana Moachesi, Revista Select
Forrest Bess em dose dupla
Matéria de Juliana Moachesi originalmente publicada na Revista Select em 26 de março de 2012.
Curadoria de Robert Gober lança luz sobre a obra do artista
Roberta Smith começa seu texto no New York Times de sexta-feira, 23, com um alerta: "A arte de Forrest Bess (1911-1977), como a de Vincent van Gogh, pode estar em perigo de ser acometida pela sua história de vida. Especialmente agora, quando a obra deste excêntrico pintor visionário - que passou a maior parte de sua maturidade como um pescador no Golfo do México, vivendo em uma restinga de praia no Texas - está tendo um momento especialmente intenso em Nova York".
É que o pintor texano conhecido pelo vocabulário muito particular de formas que lhe vinham em sonhos e visões está tendo duas mostras paralelas em importantes instituições de NY no momento: uma sala especial na Bienal do Whitney 2012 com curadoria de Robert Gober e uma exposição de 40 pinturas na casa de leilões Christie's que resulta da venda de uma coleção particular. A mostra A Tribute to Forrest Bess, na Christie's, perfaz "uma visão bastante inquieta de uma casa de leilões agindo como galeria comercial manejando o equivalente ao espólio de um artista", segundo Smith.
As pequenas pinturas de Bess são preenchidas com símbolos pessoais e elementos básicos de significado igualmente subjetivo. Para o artista, as pinturas que ele executava reproduzindo com fidelidade suas próprias visões representavam uma linguagem pictórica com significado universal. Junto com as teorias médicas e psicológicas derivadas de sua erudição auto-didata, ele acreditava que sua imagética compreendia o esboço de um estado humano ideal, com o potencial de aliviar a humanidade do sofrimento e da morte.
A crítica do NYT concede que os fatos da vida de Bess não são nada menos que sensacionais: "Eles incluem isolamento, pobreza, visões recorrentes e até mesmo auto-mutilação. Na década de 1950, convencido de que a união das lados masculino e feminino de sua personalidade garantiria a imortalidade, Bess tentou se transformar em o que chamou de 'pseudo-hermafrodita' por meio de dois atos de dolorosa autocirurgia que resultaram em uma pequena abertura na base de seu pênis".
Porém, assim como Van Gogh, prossegue Roberta Smith, as pequenas quase-abstrações intensamente pessoais de Bess parecem "projetadas para resistir ao ataque da biografia. As melhores delas, feitas entre 1946 e 1970, são inicialmente modestas, contudo podem reviram os olhos com as suas superfícies agitadas, cores saturadas e combinações de símbolos estranhos ou evocações destiladas do mundo natural", afirma.
"Igualmente importante é a forma como os trabalhos de Bess reconfiguram a história da arte. Como Myron Stout, Steve Wheeler e Alice Trumbull Mason, que também favoreceram os pequenos formatos e as formas ressonantes, Bess amplia nossa compreensão da ascendência da pintura americana das décadas de 1940 e 50 para muito além das telas imensas dos habituais expressionistas abstratos suspeitos", escreve a crítica do NYT, contribuindo, também ela, com sua escrita magistral, para reconfigurar a história da arte.
Segundo Smith, a exposição na Christie's inclui um vídeo com vários depoimentos sobre a vida e a obra de Bess, do qual destaca as falas do escritor budista Robert Thurman e do crítico de arte John Yau. O primeiro aventa a tese de que, de uma perspectiva budista, Bess era "talvez alguém que tenha sido um iogue em uma vida anterior. Ele observa que o papel de um iogue é submeter seu corpo e seu ser à sua visão da vida", chamando o corpo de Bess de sua "obra de arte suprema".
Já o senhor Yau sugere, "com plausibilidade possivelmente maior para os não-budistas, que a busca fervorosa de Bess, bem como sua autocirurgia - a idéia veio do estudo de ritos realizados por aborígenes australianos - refletem uma incapacidade para aceitar a sua homossexualidade e, de maneira mais geral, sua reação a uma cultura com pouca tolerância à diferença. O sr. Yau compara as superfícies cicatrizadas de pinturas de Bess às cicatrizes físicas e psíquicas que ele sofreu", reporta Smith.
Considerando que o momento é tudo, a mostra da Christie's se sobrepor à Bienal é dificilmente um acidente, alfineta ainda a crítica. "A exposição é acompanhada de um catálogo luxuoso com ensaios esclarecedores de Robert Storr, o escritor, curador e reitor da Yale School of Art, e do crítico cultural Wayne Koestenbaum. O sr. Koestenbaum fornece uma leitura muito minuciosa das superfícies de Bess, especialmente sobre o uso da espátula e do ritmo visual criado por seus desempenos bastante cuidadosos."